Banco imobiliário

Compartilhar

O primeiro desafio de qualquer jovem universitário é passar do 1° para o 2° ano. O que significa ultrapassar a euforia festiva de uma vida longe da casa dos pais, da liberalidade com sexo e drogas, do começo da definição do que deveria acabar sendo o único foco desse momento da vida: Dedicação ao conhecimento. 

Um dos instrumentos marcantes para minha passagem da euforia ao pé no chão se deu graças ao filme “O Declínio do Império Americano”, de Dennis Arcand, de 1986, quando eu estava na Faculdade de Jornalismo na PUC em Campinas.

O título do filme não é esse por acaso, ao contrário, ele faz alusão ao fato de que todos os grandes impérios na história da humanidade tiverem seu auge e decadência. 

Em meados da década de 80, esse declínio que batia em cheio em mim, o então jovem Deda, de 18 anos, se referia ao individualismo (Yupiies), aos baixos índices de procriação (havia um pavor por se engravidar) e a transmutação do modelo familiar patriarcal. Esses elementos todos, sinais vitais de que o império americano (um modelo então para o mundo livre, do empreendimento, do jeito de fazer a vida feliz) estava prestes a vir abaixo, foi possível de serem vistos quando aconteceu a explosão da bolha imobiliária e o grande crash dos bancos.

O que ajudou “O Declínio do Império Americano” a me marcar, acredito, tenha sido ouvir dos personagens, na então telona do cinema, citações presentes em minhas aulas de Filosofia com JB ou Antropologia com Regina Márcia. As personagens do filme eram professores universitários discutindo sexo, marxismo, Marx, Marcuse e McLuhan, além de vinho, história, comunicação… Ou seja, me vi conversando com elas. 

Vou confessar um fetiche: Há uma cena neste filme marcante na minha vida. Um professor é masturbado enquanto conversa com sua masturbadora sobre as transformações históricas pela qual passou a humanidade. Naquela época, era o tipo de papo que também me dava tesão.

Duas décadas depois desse filme, “Invasões Bárbaras” foi a sua continuação. O novo filme atualizava a vida dos personagens do primeiro numa reflexão sobre as consequências da liberdade e liberalidade dos anos 80. Novamente algo muito próximo de mim. Carlos Magno, meu grande amigo da “esquerda festiva” de 1986, morreu doente assim como a personagem dos filmes. Do ponto de vista da narrativa e direção, o segundo é melhor do que o primeiro. Adorei. Mas não teve em mim o impacto explosivo do primeiro. 

Então chegamos agora. Na segunda-feira passada. Frio. Sem compromisso. Casa vazia. Começo a procurar algo para ver no streaming (cinema já é algo raro) e um nome me chama a atenção: “A Queda do Império Americano”. Direção? Dennis Arcand, o canadense que dirigiu o filme de 1986 e 2005. Mergulhei por duas horas numa divertida alegoria de nossos dias. O protagonista é um jovem, 36 anos, formado em Filosofia. Ele é entregador, presencia um assalto num banco informal (primeira ironia do filme) que atende aos traficantes e some com milhões de dólares. O primeiro drama moral: Ficar com dinheiro de bandido é crime? Então esse jovem filósofo passa a fazer o papel de Estado e ajudar os mais necessitados. O filme é uma crítica explícita à falência dos governos, a corrupção da polícia, sobre o poder organizacional do crime organizado, a lavagem de dinheiro, os paraísos fiscais, o papel facilitador dos políticos e do sistema para quem tem poder se dar bem, o desprezo de quem detém o poder pelos pobres, povos originais, meio ambiente… Enfim, sobre o cinismo da sociedade.

Uma cena me chama a atenção: O raciocínio de uma funcionária de um banco para levar o dinheiro para fora do Canadá: O diretor desse banco havia, num ano ano, recebido de salário 257 vezes mais do que a funcionária havia recebido. Então ela diz: Que respeito devo a ele se ele não tem nenhum por mim?

É disso que todos esses Declínios tratam: Da falta de respeito que o poder tem por nós, os sem poder.

Bom, fosse no Brasil, o enredo desse terceiro filme precisaria ser outro, não é mesmo? Aqui é possível ir com alguns milhões numa bolsa, comprar 51 (sim, é o número que surgiu na investigação) imóveis e tudo bem. Nem vendedor, nem cartório, nem funcionário, ninguém comunica as autoridades sobre a operação. Sobretudo se os envolvidos forem do “Banco Imobiliário” da famiglia do presidente. Mas como se passa no Canadá, a trama do filme é o esforço para “esquentar” o dinheiro vivo.  Ai ai ai… que saudade da ingenuidade de meus 18 anos! Quando ainda achava que se podia mudar o mundo.

Comentários