Quando o Narciso, um dos maiores especialistas em botecos que conheço, anunciou que A Portuguesa havia fechado as portas, esta informação bateu em mim como um soco no estômago.
Há bons anos deixei de ser um frequentador assíduo de lá. Minhas últimas idas foram no ano passado, quando fui uma dúzia de vezes para fazer uma horinha antes de ir jogar tênis.
O famoso lanche de Pernil acompanhado de vinagrete numa cumbuca com molho de pimenta caseira; Rã frita, Salsichão no molho; Chouriço; Queijos… tudo estava na mesma vitrine. Mas não havia o mesmo glamour.
Toninho (foto) seguia no balcão, mas não queria mais papo como antigamente. Luizinho, de cabelo branco, tinha abandonado toda sua brejeirice. Um jovem aprendiz não tinha idéia da magia que havia naquele lugar, ou que houve.
Os espelhos estavam limpos, tão limpos, que até refletiam a imagem de quem os olhasse. As fotos dos times do São Bento foram trocadas pelas formações atuais. Havia tanta opção de marca de cerveja que confundia o freguês.
A Portuguesa fecha as portas como Lanchonete, mas nasceu como bar da portuguesa, da senhora, mãe dos meninos, que veio de Portugal e assim era o bar Da Portuguesa. Lá se comia bem e do melhor do café da manhã ao último cliente, tarde da noite. Localizada na avenida para São Paulo, sim, em 1958 para sair de Sorocaba ou era de trem ou pela avenida São Paulo que se une com a Raposo Tavares, Mairinque, São Roque, Araçariguama, Osasco e São Paulo. Apenas em 7 de Dezembro de 1974 a Castelinho é inaugurada. Apenas nos anos 2000 a avenida São Paulo é duplicada. Apenas em 2002 o boom imobiliário transformou Sorocaba e fez explodir a Zona Norte, transformando a região no polo que concentra 2/3 da população da cidade. Antes, a vida sorocabana passava pela avenida São Paulo e, em consequência, pelo bar Da Portuguesa.
O fim de sua atividade é quase como um anúncio fúnebre: “A Lanchonete Portuguesa informa aos seus clientes amigos e fornecedores que encerrou as atividades. E o que fica foi só o sentimento de gratidão por tantos anos. Estamos passando o ponto, ou vendendo a lanchonete completa, se alguém souber ou tiver interesse é só me mandar mensagem nesse mesmo número de telefone. Obrigado a todos em nome de Carlos e Antônio.”
O sentimento de gratidão é recíproco. Nos 62 anos de funcionamento A Portuguesa criou laços afetivos com os sorocabanos. Primeiro, com os operários das indústrias têxteis até meados da década de 70 quando o boom deste tipo de emprego chegou ao fim na cidade. Depois, com a revolução industrial que tornou Sorocaba no que é hoje, reunindo mais de 1500 empresas em seu parque industrial, algumas delas entre multinacionais importantes em todo o mundo.
Sorocaba ainda engatinha para se despertar na relação da tríade Cultura, Patrimônio e Turismo e enquanto isso não ocorre ficam pelo meio do caminho pontos tradicionais como o que chegou ao fim na sexta-feira passada, último dia em que A Portuguesa abriu as portas.
Ainda há outros locais para se comer lanche de pernil no pão francês, obviamente. Ou rã, chouriço, queijo… Mas um bar não é o que se vende nele (ou só o que se vende), mas a aura e energia que consegue reunir em torno de pessoas tão diferentes que param por alguns instantes entre o seu ponto de origem e de chegada.
Ou, como os poetas já falaram:
xxx
Olho em redor do bar em que escrevo estas linhas.
Aquele homem ali no balcão, caninha após caninha,
nem desconfia que se acha conosco desde o início
das eras. Pensa que está somente afogando problemas
dele, João Silva… Ele está é bebendo a milenar
inquietação do mundo!
Mário Quintana
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Preciso de um bar e de uma conversa boa
Sei lá, me apegar a outras pessoas
Ou só honrar o que disse
aí você me liga, e é como se mais nada existisse.
Emicida
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Eu odeio pessoas que entram num bar e não bebem. Eu odeio testemunhas… Um bar é um templo: entrou, tem que beber!
Maysa em “Quando fala o Coração”
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Vou encontrar você claro e calmo sentado no bar, à minha espera.
Caio Fernando Abreu