Minha amizade com o padre e jornalista Ricardo Dias Neto que morreu há seis anos, em 2014, de infarto do miocárdio fulminante, em Roma, me aproximou aqui em Sorocaba do empresário Sérgio Cury Maluf que morreu no último sábado.
Eles eram amigos e confidentes. Sérgio passava por problemas pessoais naquele período e a morte do padre Ricardo acabou fazendo com que eu conhecesse Sérgio. Desde então, sempre falávamos sobre as trivialidades da fé quando nos víamos. Mas ele nunca escondeu uma curiosidade sobre minha amizade com o padre Ricardo que, com o passar do tempo, ele foi deixando de lado.
Eu fiz parte do primeiro quadro de professores da Faculdade de Jornalismo da Uniso (Universidade de Sorocaba) e testemunhei uma cisão entre o padre Ricardo e o padre Tadeu, atualmente o pároco da Catedral. Eu tinha amizade com os dois e, no meio deles, acabei me distanciando desta universidade. Padre Ricardo também foi afastado e se tornou o diretor responsável pela edição em Língua Portuguesa do jornal L’Osservatore Romano, órgão oficial da Igreja Católica, e colaborava com a Rádio Vaticano.
Sérgio, de origem árabe, filho de imigrante libanês, tinha o costume de chamar algumas pessoas, entre elas eu, de habib (palavra árabe que significa amigo, querido, amado). Ao contrário de mim, que me tornei um católico protocolar, Sérgio era praticante no sentido mais laico da palavra, devoto fervoroso de São Bento, tanto que sua página pessoal na rede social tinha como banner a Medalha de São Bento.
A ordem beneditina é, se não a mais, uma das mais cultas da Igreja Católica. E apenas algumas pessoas são capazes não só de dizer o que significam todas aquelas letras em Latim impressas na medalha, como explicar o sentido das frases que elas formam no contexto em que a humanidade se encontra, neste século 21. E Sérgio era uma dessas pessoas. Seu conhecimento, muitas vezes, de forma errada, levava pessoas a considerá-lo esnobe. Não era.
Levei um susto, semanas atrás, quando um amigo em comum, o repórter fotográfico Epitácio Pessoa, me disse que o Sérgio estava na UTI por causa do Covid19. E fiquei aliviado quando o mesmo Pita me disse na última quinta-feira que o Sérgio havia saído da intubação e iria ter alta. Ele chegou a ter alta, mas no próprio hospital foi vítima de infarto fulminante no sábado pela manhã. Estudos recentes mostram que até semanas após terem sido curados da Covid19 o paciente pode ser vítima de problemas cardíacos. Apesar de atacar o pulmão, esse vírus deixa sequela no coração.
Sérgio fará falta. E isso ficou bastante claro com o lamento das pessoas por sua precoce partida, aos 68 anos. Ele estava descobrindo uma nova maneira de desfrutar a vida, valorizando mais o conhecimento, os prazeres da amizade, da conversa e da confiança no ser humano e menos nas conquistas financeiras. Uma pena que não o encontrarei mais por aí.
Ao redor da Medalha de São Bento existe uma inscrição mais extensa, a qual em primeiro lugar apresenta o santíssimo nome de Jesus, expresso pelo monograma bem conhecido: IHS (Iesus Hominum Soter; Jesus Salvador dos Homens). Vêm depois, em sentido horário, as seguintes letras: “V.R.S.N.S.M.V.S.M.Q.L.I.V.B.”. Essas iniciais representam os dois versos: Retira-te, Satanás; nunca me aconselhes coisas vãs, é mau o que tu me ofereces: bebe tu mesmo teus venenos. Numa livre tradução do Sérgio, isso significa: afasta a mentalidade mágica e supersticiosa que ronda e deturpa o sentido verdadeiro dos nossos sacramentos.