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Nenhuma das dezenas de bares que funcionam nas imediações da rua Rio Grande, na Vila Mariana, em São Paulo estava aberto pouco antes da meia-noite no último dia do ano passado, onde, passei as festas de final de ano. 

Então um baiano, que não sabe ainda o que vai fazer na capital paulista nesse ano, abriu o pequeno jardim na frente de sua casa para ver o que ia dar. Não lotou, mas também não foi um fracasso.

Havia um grupo de homens com mais de 60 anos tomando cerveja, então apareceu uma mulher na faixa dos 45. Quando me dei conta, ela e um deles haviam se afastado do grupo, ficaram sozinhos na calçada e, de repente, quando olhei para eles, estavam se beijando.

Não um beijo de novela. Foi um beijo de língua. De amor. De desejo. De vontade… Um beijo de começo.

Na mesa ao lado, um homem franzino, faixa dos 40 anos, me olhou, olhou o beijo e me olhou novamente. Então ele levantou as duas sobrancelhas e abriu um sorriso. Ele disse: Brézillll!

O rapaz, ele me contou, é das Filipinas, havia chegado naquela noite, há duas horas no aeroporto, e tinha deixado o hostel atrás de um lugar para comer e parou ali. Ele está em mochilão, já havia passado por Peru,Colômbia e não fala nada de português. Arranha um espanhol e seu inglês é do mesmo nível que o meu, ou seja, muito baixo.

De algum modo, aquele beijo alegrou o filipino. Eu fiquei com a impressão que ele pensou: Vou me dar bem aqui. Ninguém se beija, na rua e na frente de estranhos, com tanto desejo, no país dele. O filipino então foi na festa da virada na avenida Paulista, apesar das recomendações do baiano de que era perigoso e, por isso, ele não deveria ir.

Aquele beijo, que alegrou o filipino, me levou à Igreja de Santa Rita, na Vila Santana, no final do cursinho de minha Primeira Comunhão. Passamos um ano com a catequista, dona Conceição, nos ensinando quem foi Jesus Cristo e o sentido do cristianismo. Aos 9 anos, aqueles ensinamentos não tinham sentido, embora bem mais tarde sua importância apareceu em minha vida. O frei Luiz foi encerrar o curso. Não lembro de nada do que ele disse até ser despertado com o fervor da sua ordem: Agora vocês vão para casa e peçam para seus pais se beijarem. Na boca. Com amor. Com energia…, sentenciou ele.

Nunca tinha visto um beijo dos meus pais até então. Meu pai externou sua indignação. Lembro dele dizendo: Quem esse padre pensa que é. No fim, atendendo à minha mãe, eles se beijaram na minha frente. E agora?,  perguntou meu pai. Eu encolhi os ombros, como quem diz sei lá. O frei Luiz não tocou mais no assunto. Nem eu.

Dessas coincidências da vida, no dia seguinte, primeiro dia do ano, vi pela TV a posse do Lula. Mas perdi, o que vi apenas no dia seguinte, o beijo de língua dele e Janja. O beijo de um senhor, o mesmo que eu havia presenciado no último dia do ano passado. Um beijo de desejos.

O artigo 233 do Código Penal proíbe beijos assim, em público, e prevê até a detenção dos beijoqueiros. O código não fala nada sobre as pessoas que estão com fome e informam essa sua condição em cartaz no semáforo, lembrança feita por Lula num dos momentos mais emocionantes da posse do novo presidente.

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