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Quando eu era criança tinha um cachorro em casa, o Boi (se pronunciava bóe), vira-latas certamente, mas tinha pelagem grande, branca. Ele ficava somente no quintal e quando escapava por algum vão de porta eu chorava muito. Eu tinha medo que ele não voltasse. Coisa que nunca aconteceu. 

O Boi só comia resto do arroz e feijão que minha mãe cozinhava todo dia para ela, meu pai, meus quatro irmãos e eu. Não me lembro de sobrar alguma carne pra ele, apesar de meu pai ser açougueiro e toda refeição ter algum bife ou frango em nossa mesa.

Cresci ouvindo que meu pai gostava de cachorro, mas não me lembro dele brincando ou levando o cachorro para algum lugar ou limpando seu cocô ou dando comida…

Aqui em casa tem cachorro. Um bordier coler que, segundo a fama, é dos mais inteligentes. Minha filha o trouxe filhote porque a filha dela, minha neta, queria. Resumindo, sobrou pra mim dar comida e limpar. Até lhe faço cafunes pois quando ele bota as duas patas dianteiras na grade e abaixa a cabeça até um mais ogro do que eu lhe agradaria. Ele me vê e saltita como um bailarino. Quando para, enfia o rabo entre as pernas e espera meu primeiro passo para enfiar o focinho em seu pote de comida. O Boi comia o que lhe era posto sobre folhas de jornal. Hoje, mesmo se esse fosse o desejo, seria impossível pois nem jornal existe mais.

Bom… durante três dias Otávio parou com seu balé e passou a derrubar e rolar para longe seu pote de comida. Pela primeira vez eu comprei sua ração. Um pacotão de 15kg. Superpremium. O que, segundo o vendedor, significa muito mais rica em proteína. “Olha o cheiro, é carne pura”, ele me disse. Otávio não quer saber, não come. Eu lhe digo: Olha (sic) o cheiro Otávio… é carne pura. E ele saí em disparada, latindo bravo. E não come.

Percebi que são grãos grandes e decidi bater no liquidificador… virou pó. Fora o cheiro horrível que deixou no copo.

É o cachorro mais inteligente, pensei…

E insisti. Quatro dias, nada. Botei salsicha, sobrou a ração. Eu pensei: É o mais inteligente… Ele vai se adaptar.

Nada no quinto dia…

Me restou, então comprar outra ração, de grãos menores. Pois nem arroz e feijão tem em casa diariamente. Quando tem comida aqui, são as de domingo.

Cachorro mais inteligente… um burro isso sim!

Então mudei o ponto de vista. Me coloquei no lugar do Otávio e fiquei pensando que ao me olhar ele pensava: Puta cara burro, levou cinco dias para atinar que essa não é minha comida…

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