Cavalo na cabeça

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Moço, tou indo embora. São 75 milhões…

Numa das mãos a velha vendedora de bilhetes de loteria chacoalhava a sorte daquele sábado. Seu tom era de ameaça. Ou de chantagem. De lamento.

A velha perambula pelas ruas do centro histórico de Paraty tentando convencer turistas, que são “escritores”, a fazer uma fé. Sou apenas um dos abordados por ela.

O jogo da velha, que nem sei se é um bolão, custa 60 reais. Eu acho caro. Com meu jogo na Mega-Sena gasto 5, 10 reais no máximo.

Ao rejeitar a sorte em Paraty, me lembro de meu pai. Assim que a velha deixa a mesa onde espero meu namorado com arroz branco, vem à minha memória um sábado à tarde quando um vendedor ofereceu ao meu pai o último bilhete da Loteria Federal, onde estão os números do Jogo do Bicho. A cartela toda têm 10 ou 20 bilhetes, não sei. Pode ser comprada a fração. O vendedor insistia para ele levar tudo, um prêmio e tanto. Não o deixaria rico, mas daria para ele ter comprado um Fusca.

Em 1974, eu tinha 7 anos, meu pai tirou carta, esse é o termo para quem faz o exame e fica com a Carteira Nacional de Habilitação. Era enorme sua expectativa em ter seu carro. Fato que nunca aconteceu.

Ele ganhou a fração que comprou. E por muito tempo se perguntou (sei disso porque me lembro dele falar disso com minha mãe): Por que não comprou tudo! Não sei que tipo de resposta ele deu a si mesmo. Talvez algo sobre ser azarado. Cavalo na cabeça, me lembro dele lamentando com minha mãe.

Eu tenho 57 anos e nesses anos ganhei um frango assado da roleta da Festa Junina da Igreja Santa Rita quando tinha 11 ou 12 anos. A turma devorou o bicho num dos bancos da quermesse em minutos, deixando os ossos no celofane onde veio embrulhado. Ganhei também uma caixinha de som, embora não tivesse vitrola alguma em casa. Não me lembro de ter sido premiado alguma outra vez. Em jogos, que fique claro.

Sigo jogando, quando me lembro, quando a Mega-Sena acumula e vira assunto. Conheço quem tem rotina de ir à lotérica. Não conheço ninguém que faça parte da estatística do vício nas Bets. Aliás, o jornal de hoje traz a notícia de que esse vício não é exclusivamente de brasileiros, mas também virou preocupação nos Estados Unidos onde 1 bilhão de dólares foram gastos por jogadores, muitos endividados. É o novo crack.

Jogar no Bicho, na Mega-Sena, na Quina é um dos hábitos não-hereditários do brasileiro. Não chegamos nem perto dos ingleses que apostam em tudo. Mas mantemos a crença na sorte e na entrada de um dinheiro para um conforto imediato. Enquanto é lúdico, tudo bem. Mas quando vira doença, vício, é problema. Não sofro disso e nem com isso, mas alimento a esperança de que um dia vou acertar os seis números. Uma vez acertei quatro…

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