Círculo vicioso

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Uma mulher, longe de ser bonita no sentido estereotipado da palavra, com ar cansado de alguém que havia acabado de ter completado uma longa jornada de trabalho, paga o seu pastel como tantos e tantos outros fregueses que passaram pela banca na Vila Jardini na manhã de domingo.

Eu não havia notado sua presença até que a vendedora de pastel, uma mulher bonita na casa dos 45 anos, que durante a semana é recepcionista no consultório médico de um cardiologista, lhe deu a máquina de cartão para ela digitar a senha e disse: Agora você vai pra sua casa descansar.

Foi a resposta que me fez levantar a cabeça e olhar para ela…

E mulher tem descanso? É chegar e começar o almoço. Depois arrumar a cozinha. Aí é preparar a roupa para estar limpa na semana… Mulher nunca tem descanso. 

Sua fala soou definitiva. Não deixou margem para nenhuma resposta de esperança. Não que eu lhe tivesse algo a dizer, pois não tinha. Mas eu não participava da conversa, só prestava atenção. O definitivo de sua fala foi deixar sua interlocutora (a vendedora da banca de pastel) sem ter o que dizer. Houve um hiato entre elas. Muda, a vendedora só olhava para sua freguesa. A freguesa sem resposta alguma da vendedora, então, fez novamente o mundo girar ao dizer: Bom, vou indo…

E assim aconteceu. O mundo ficou em suspenso por eterna fração de segundo. Uma imagem muito parecida com as cenas do filme Matrix quando ele vai ao encontro da mãe (ou seria vó, não lembro) e a bolacha cai no chão (bom, não lembro se cai…).

A partir dessa mulher pensei no Dia Internacional da Mulher celebrado quarta-feira passada. Um dia para lembrar a todos sobre a forma como a sociedade se organizou hierarquicamente, deixando às mulheres um fardo de injustiça e desigualdade.

É didático que exista esse dia. Assim como são conversas como a que ouvi na banca do pastel… É no diálogo, na troca, na percepção o caminho para se traçar uma nova organização social. E isso é processo. É feito na caminhada. Não é possível de ser feito por alguém, por um governo, por um “comando”… mas nas atitudes de cada pessoa, independentemente da orientação sexual… e no dia-a-dia.

Que chegue o momento do fim desse círculo vicioso e que a conversa na hora de pagar o pastel seja apenas a memória de que houve um tempo em que as mulheres não tinham direito algum, depois tinham alguns e que hoje (o futuro breve, desejo) é absurdo se pensar em qualquer diferenciação.

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