Da série categorizando as pessoas entre normais e anormais

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Em tempos de pandemia e isolamento social, a insanidade do presidente continua gerando acalorados bate-bocas entre seus opositores e defensores (cada vez mais envergonhados, é verdade, e que piorou desde o episódio Moro). Mas o que mais percebo, crescentemente, são pessoas interagindo sobre seus dotes culinários nos grupos de whatsapp e outros ironizando, dizendo que o foco agora é não ficar doente e, mais pra frente, se tudo der certo, tratar o alcoolismo. Há, obviamente, o compartilhamento de piadas, mensagens de auto-ajuda…
De todos estes assuntos, um me incomoda bastante. E vocês sabem pois mais de uma vez abordei o assunto aqui: O do peso, sobrepeso, obesidade.
Mexendo nos canais de TV (aliás é um desespero para quem está ao meu lado vendo TV, pois meu prazer é ficar mudando de canal e não assitir a um só) parei por instantes no filme “Glória Bell” cuja protagonista é Juliane Moore que interpreta uma mulher na casa dos 50 anos, mãe de uma jovem de quase 30 e filha de uma de quase 80, que frequenta casas noturnas para adultos com o objetivo de dançar, beber e quem sabe encontrar alguma companhia. E na parte que vi, ela se encontra com John Turturro (um ator que gosto). Num dado momento, no segundo encontro deles, Turturro quer lhe confessar algo e lhe mostra uma foto sua no celular antes da cirurgia bariátrica, quando tinha 130 quilos e cintura nº 52. Eles riem muito. Deboche puro! Meu quadril atual está no 56.
Senti, sinceramente, um incomodo com a gargalhada deles. E automaticamente me lembrei de um caso real, provavelmente já tenha contado, de um sorocabano que chegou em Brasília para seu mandato de deputado federal, montava seu escritório e selecionava a equipe com know-how nos corredores palacianos. Houve um consenso de que a escolhida deveria ser uma moça, porém alguém da equipe a rejeitou por ela ser gorda. E, o argumento, era de que não se pode confiar num gordo. Obviamente que esse raciocínio não nasceu na cabeça desse assessor ao manifestar essa desconfiança em um gordo. Na tradição judaica-cristã, a gula é um dos 7 Pecados Capitais, ou seja, a demonstração de fracasso moral.
A intolerância com o corpo gordo tem consequências emocionais sobre o dono desse corpo, pois o gordo, aos olhos do outro, automoticamente é visto como alguém sem estima, com distorção espiritual e incapaz de cuidar da própria saúde. Ou seja, a obesidade representa a negligência. O fato é que tirando fatores hereditários, genéticos, hormonais, medicamentosos, o excesso de peso é necessariamente resultado do excesso de comida/álcool/refrigerante e a falta de exercícios físicos ao longo do tempo.
O que faz essa equação dar errado é o objetivo a ser descoberto por quem deseja não ser gordo. Algo deu certo, deve- se comemorar… então se come e bebe. Algo deu errado, está triste, é preciso se animar… então se come e bebe. A cozinha/área gourmet é o centro das casas. A geladeira e o armário formam junto com a TV o tripé mais importante do lar.
Mas é fundamental entender que há quem simplesmente seja gordo e nem por isso tenha alguma deficiência de caráter ou espiritual. É fundamental, ainda, lembrar que categorizar pessoas entre normais e anormais (magras ou gordas, por exemplo) está associada à eugenia que tentou determinar os “melhores” seres humanos e serviu de justificativa para genocídio de judeus nos campos de concentração.
A obsesidade é algo tão sério que já existe um campo do conhecimento dedicado ao entender seus problemas, a chamada “Sociologia da Obesidade”: Healthism (ou higiomania, em português), que é um julgamento moral sobre alguém com base em sua saúde ou preocupação em excesso com a saúde. De acordo com esse estudo, quem não é considerado saudável ou que faz coisas contrárias ao que é tido como tipicamente saudável acaba sendo visto como uma pessoa ruim ou com moral negativa.
Assim, além do aspecto Moral, Religioso e de Saúde, a obesidade virou preconceito Estético sobre a Aparência, a Beleza. É crescente a intolerância contra pessoas gordas. Principalmente contra as mulheres gordas. Um preconceito, aliás, bastante aceitável. Ao contrário da injúria racial ou violência contra a mulher que são consideradas crime na legislação, ofender as gordas é algo que diverte, bem aceitável.
No sábado, por exemplo, recebi o meme aqui republicado sobre nosso momento com a seguinte frase: Vocês acham que está ruim com a “Corona”, imaginem quando chegar a “Carlsberger”! E achando que ia provocar riso no grupo da família, apenas despertei a ira: é preconceito usar a imagem de uma pessoa para reforçar aspectos positivos ou negativos dessa mesmapessoa e, pior, fazer associação do corpo dessa pessoa com algo tão ruim quanto essa doença que provoca tanta dor, seja pela infecção ou pelo isolamento social.

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