Economia serviu de justificativa à venda de pessoas na escravidão. E serve hoje para permitir a aglomeração de consumidores

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Sorocaba está na fase 2 do Plano São Paulo que orienta o nível de flexibilização das atividades que atraem as pessoas para fora de suas casas, ou seja, tiram as pessoas do isolamento social, o remédio mais eficaz e eficiente contra a proliferação do vírus Covid 19.

Está autorizado em Sorocaba o funcionamento de imobiliárias, concessionárias, escritórios, comércio e shopping center, além dos segmentos considerados essenciais, que já estavam permitidos desde o início do isolamento social.

Fotos das pessoas nas ruas do Centro sorocabano viralizaram no final de semana e muitos ao verem a imagem a interpretaram como sendo a do mesmo volume de gente que ocupa a região na véspera de Natal.

A partir de terça-feira que vem, quando se completará 14 dias (o tempo máximo para uma pessoa infectada sentir os efeitos da contaminação pelo vírus) desde o início da flexibilização do comércio, será possível entender a letalidade do contágio, do sofrimento dos contagiados e do desespero de quem está na linha de frente para socorrer os doentes.

O chamado “novo normal” coloca em xeque duas realidades: preservar a vida, individual, de cada cidadão, versus preservar a economia, individual, de cada cidadão e coletiva de empresas, empresários e o imposto arrecadado pelos governos.

Há um embate real na sociedade entre os que escolheram um lado. Seja ele o de seguir em isolamento (talvez até o surgimento de uma vacina!) ou de promover a reabertura (enterrando os menos aptos, mesmo que sejam milhares, quem sabe milhões deles).

Há no meio desses lados, a grande maioria. Pessoas comuns. Que usam máscaras, se lambuzam de álcool em gel e crêem que estão salvas. São essas pessoas de fé que foram às ruas sorocabanas e se aglomeraram.

Quando os governos africanos transformavam seus cidadãos em mercadorias e o governo português os vendiam aos senhores das terras, por aqui, o faziam sob um único argumento: a economia. Se não vendesse, os governos iriam falir. Se os portugueses não os transportassem em navios negreiros de lá para cá, a economia iria falir. Sem a mão de obra escrava, as grandes terras não produziriam e a economia patinaria.

A economia serviu para justificar as atrocidades daquela época. Também servirá de justificativa para as atrocidades de hoje?

E se depois do próximo dia 16 os casos de infectados em Sorocaba se mantiverem no mesmo patamar, não havendo uma subida no número de casos, não terão os do lado do dinheiro acertado? Vale o risco de perder a vida essa descoberta?

Informação divulgada hoje pela Associação Comercial de Sorocaba mostra que nem mesmo os comerciantes têm essa resposta.

Para a entidade, que consultou alguns dos membros que estão a ela associadas, há uma divisão de opinião. 

Matheus, da loja Goyana, localizada no bairro Além Ponte, diz: “Confesso que não sei se foi uma boa abrir as lojas agora. Em nós, existe o receio e a preocupação, mesmo agindo com todas as medidas de proteção”.

O gerente da Pernambucanas, Júlio Cezar Novaki, afirma que a flexibilização foi muito positiva, pois estão conseguindo vender muito bem: “As vendas estão acima do esperado, acredito que é devido à demanda reprimida nestes 70 dias de loja fechada. Muitos consumidores procurando artigos de inverno”. Mas ele faz uma ressalva: “O problema é com a aglomeração nas ruas centrais da cidade”.

A retomada das atividades requer algumas exigências, em atenção à proliferação da doença, conforme decreto estadual e municipal, como o uso de máscaras, controle de entrada e saída do estabelecimento, é permitido 20% da capacidade de público, manter um distanciamento de 2 metros em todas as direções, oferta de álcool em gel e expediente permitido das 9h às 13h para o comércio em geral (de rua e galeria) e das 15h às 19h, shopping, imobiliárias, concessionárias e escritórios.

Mas nada disso evita a aglomeração de pessoas na rua.

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