Expondo as vísceras 

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Tenho passado pela rara experiência de mostrar a casa onde moro há mais de uma década para pessoas interessadas em comprá-la.

São pessoas que não conheço, em sua maioria, que chegam aqui por meio de algum corretor ou indicação de algum vizinho que sabe que está à venda. 

O anúncio é padrão. Inclui fotos, metragem do terreno, área construída, número de quartos, suítes, closet… e o que mais há nela.

Não é uma publicidade como a do poeta Olavo Bilac que chamado por um amigo para auxiliar num texto para vender seu sítio fez uma poesia. 

Pensei mais de uma vez em copiar o poeta, pois o corretor de imóveis só é capaz de vender metros e as divisões dele. Nenhum oferece o imaterial que faz da casa o que ela é. E não o faz porque não percebe o que um pé direito de 7 metros faz numa sala. Não percebe o que a variedade de pássaros e suas cantorias causam à alma. Não escutam o silêncio de estar perto da “cidade” e ao mesmo tempo embrenhado numa vida no campo onde o cachorro tem espaço para correr, os gatos se aninham no sol e a vista se perde nas árvores que fazem divisa com o vizinho. Não entendem a singularidade do piso queimado, pois só têm olhos para a breguice dos porcelanatos da vida…

Então toca eu receber essa gente com dinheiro, que se deu bem, muito bem, na desgraceira da pandemia. É um passeio para eles, os possíveis compradores, escolher a futura casa. 

Eu vejo nos olhos deles que me julgam quando veem que uma almofada está desfiando num canto… que há uma teia de aranha no teto da área externa… que há livros demais por todo canto, salas, quartos… que um lado da cama desarrumado…

Não é uma casa nova, é uma casa com vida. Uma vida que não está à venda, apenas necessitada de deixar para trás essas paredes.

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