Fichamento 1

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Li outro dia que o poeta Carlos Drummond de Andrade gostava de fazer fichamento dos livros que lia. Na faculdade, na disciplina de Filosofia, o professor JB não apenas indicava o fichamento (uma técnica da Metodologia científica) de cada livro lido como nos ensinou como fazer um. Nunca pratiquei essas orientações. Mas decido, agora, fazê-lo. Ao meu modo.

No ano passado eu li quase trinta romances. Nesta primeira quinzena de 2024 eu li um. E com ele começo “meu fichamento” publicando-o neste blog com a intenção de dialogar com meu leitor sobre algo do meu dia-a-dia.

Lembro que leio o que garimpo em sebos. Nada contra os novos livros. Apenas uma questão financeira mesmo.

“Subúrbio”

Há três problemas no livro “Subúrbio” de Fernando Bonassi, escrito em 1991, publicado em 1994 e relançado em 2006 pela editora Objetiva após atualização do autor: O nome do livro, a capa e a quarta capa.

Problemas apenas por impedir um maior número de leitores a essa obra-prima do ponto de vista narrativo e temático mesmo 23 anos após ter sido escrito. Essa distância do tempo e os acontecimentos desse período (que vão de experiências ideológicas extremas na política nacional até a tecnologia que introduziu as redes sociais em nossas vidas) em nada diminui essa obra.

É um texto de frases curtas, geralmente de Sujeito, Verbo e Predicado. Há pouco aposto. Quase nenhuma oração subordinada. É uma leitura fácil. Além disso, são 74 pequenos capítulos, de no máximo três páginas cada um, formando um mosaico da história. É gostoso de ler.

Bonassi faz o livro em duas partes. A primeira, o que adoro nas narrações, é um predicado nominal. É uma história sobre o estado das personagens, o Velho e a Velha. Não é uma história de ação. A vida que vivemos é assim, letárgica. A ação é uma fantasia de Hollywood que abocanhou nossa cultura.

O Velho é um metalúrgico aposentado de uma fábrica de carros de São Caetano do Sul, no ABC. Foram 37 anos de trabalho. A Velha, sua esposa, é uma dona de casa. Um dia ela resolveu se separar o que na prática significou somente não dormir mais na mesma cama que ele. De resto, tudo igual: Ficar na mesma casa, com o salário todo da aposentadoria, cozinhar, lavar, passar…

A segunda parte ainda é sobre o estado das personagens, mas com a introdução de uma terceira protagonista, a Menina. É indefinida sua idade, mas eu supus 10 anos, 8 talvez. Filha do guarda-noturno da vizinhança.

Sua presença altera rotinas e percepções. O Velho e a Menina desenvolvem uma relação de confiança e descobertas.

A presença da Menina acelera a curiosidade do leitor por uma informação que está na quarta capa. O leitor torce para que não aconteça o que a quarta capa, como spolier, diz que vai. E acontece. E minha vontade foi de tacar o livro na parede.

Bonassi preferiu ser fiel à realidade dos “subúrbios” a fazer de seu livro uma “Lolita” de Wladimir Nabokov ou da vida de Caetano Veloso ou Gabriel Garcia Marques em “Minhas Putas Tristes”. Sua história se mantém cruel. Sem final feliz. 

Adorei o livro. 

Minha sugestão é de que ele se chamasse A Vila ou Vila Alpina, onde a história se passa, e a capa não fosse subjetiva, pois a narrativa e a história não são. Se era tão necessário dizer que essa história é comum nos subúrbios, então, talvez, a foto de um subúrbio qualquer ajudaria o leitor a compreender isso. Subúrbio não é uma palavra corriqueira como é periferia, por exemplo. Enfim… Não é isso que estraga a história. Só atrapalha, no meu entender, que haja uma fácil aproximação dela.

Numa escala de 0 a 10, onde 10 vale muito a pena ler esse livro e 0 não, eu digo que está obra de Bonassi é 10.

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