Fichamento n° 13

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Na última vez que eu estive em Paris, isso já faz 25 anos ou um pouco mais, finalzinho dos anos 90, peguei uma chuva passageira perto do Museu do Louvre e me abriguei sob o toldo de alguma loja. 

Quando estava apenas uma garoinha, saí de onde estava e comecei a cruzar uma praça. Então, um susto: Uns cinco homens gigantes, seguramente perto ou mais de 2 metros de altura, vindos de diferentes partes me abordaram acintosamente tentando me vender guarda-chuva. Tomei um susto. Eram parecidos com atletas. Tinham pressa no negócio, entendi isso depois, porque a lei proibia aquele comércio, mas principalmente o modo enfático da venda. Era quase uma extorsão. 

Me lembro desse episódio ao ler “A mais recôndita memória dos homens”, livro vencedor do prestigiado Prêmio Goncourt, o mais importante da França, de autoria de Mohamed Mbougar Sarr, senegalês nascido em 1990, hoje com 34 anos de idade. Aqueles homens perto do Louvre que me venderam um guarda-chuva também eram do Senegal.

Ao contrário dos pretos que vieram ao Brasil, que aqui chegaram forçados como escravos, chegaram vendidos como objeto de trabalho, e ainda hoje lutam pela reparação dessa situação, os pretos que ocupam a França são dos países colonizados pelos franceses. São marginalizados. Ficam com os piores empregos e moradias. Sofrem o preconceito. Sim, tudo isso faz parte da realidade. 

E “A mais recôndita memória dos homens” fala sobre isso de uma maneira transversal ao narrar a saga de um jovem escritor senegalês que busca entender como um livro (“O labirinto do inumano” de um conterrâneo seu) se tornou polêmico e mexeu com o mundo literário francês. Nesta saga se entende o movimento de colonização, o sonho de imigrar e seus conflitos, a preservação da cultura original, a sedução pelo “mundo civilizado”, a reparação dos marginalizados através de prêmios…

“A mais recôndita memória dos homens” é acima de tudo uma homenagem à literatura (inclusive este título é frase de Roberto Bolaño, escritor chileno cultuado entre os jovens escritores). É uma reflexão sobre o sentido da literatura no século 21, um mundo mergulhado no digital. É uma provocação a quem escreve. Uma provocação acintosa, inclusive, como daqueles vendedores de guarda-chuva nos arredores do Louvre. 

No começo do livro eu me irritei com ele e quando vi não conseguia mais parar de ler. Quando acabou, lamentei. Como numa corrente, onde cada elo é responsável pelo todo, neste livro cada pergunta é respondida num capítulo. É um livro essencial a quem lê e, também, a quem escreve. Adorei.

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