“No teu deserto” é daqueles relatos que se equilibram entre a invenção e a fidelidade aos fatos acontecidos. O leitor nunca sabe se o que está contado corresponde à “realidade” ou é invenção, adaptação, exagero.
Ainda bem.
É um romance. Isto está atestado pelo editor na apresentação do livro. E romance deve ser lido como tal e não como se lê uma reportagem.
O narrador, em primeira pessoa, nos cinco primeiros capítulos, apresenta o enredo: A carona, a preparação do carro, o plano de viagem, os equipamentos de filmagem, as imigrações, as autorizações… entre Portugal e o deserto do Saara.
O narrador fala sua idade, 35 anos, e a da estudante de 20 anos, sua carona. Do capítulo 6 até o fim a narrativa é intercalada pelos dois. Desde a primeira linha sabemos que a história é contada 20 anos após ter acontecido e que a personagem carona já está morta.
Do que se trata o livro?
Da dor da saudade. Da impossibilidade de viver novamente o que foi vivido. Da insistência nessa busca (o personagem narrador retornou outras 11 vezes ao Saara) pelo sabor de algo que nunca mais foi possível de ser acessado. É um livro sobre a solidão da impossibilidade.
O livro é, também, sobre ser. Ser fiel a si. Ser fiel à amizade. É sobre entender o silêncio. O livro é um alerta sobre a escolha possível de não se mostrar.
É um livro que lamentei quando acabou. Miguel Sousa Tavares é um exímio narrador. Gostaria que “No teu deserto” se tornasse uma espécie de “Mil e uma noite” e ele seguisse me conduzindo às profundezas de mim mesmo. Seu livro consegue. Embora seja muito econômico. É quase um vício do jornalismo de sua fase final que obriga uma história ser encaixotada num espaço pré-definido pela edição. É o que parece ter ocorrido.
Se gostei? Adorei “No teu deserto”. E me proponho a ir atrás de outros de seus livros. Nem sei se há outros para ser sincero.