Eu era o quarto zagueiro (o que joga pelo lado esquerdo, enquanto o central, pela direita… nomes totalmente em desuso no jargão futebolístico) do Estrada, nome do Estrada de Ferro Sorocabana Futebol Clube, quando tinha 12, 13, 14 anos. Seu rival era a Ferroviária, essa mesma rebaixada no Campeonato Paulista no domingo passado junto do São Bento. Dois times que surgiram nas oficinas do transporte de trem…
O Estrada, que ficava no Além Linha, nunca foi profissional deixando ao São Bento, do Além Ponte, “ser” o time da cidade. Fato que nunca aconteceu. Pura e simples verdade. O sorocabano nunca assumiu o time, embora ele seja o maior embaixador local.
A derrocada do São Bento começou por uma série de atitudes erradas, mas uma marcante, sem dúvida, foi construir no Além Linha, bairro de Santa Rosália, o campo dos jogos de um time do Além Ponte. A espanholada (migrantes e seus descendentes que escolheram a Vila Hortênsia e adjacências para morar em Sorocaba) não saiu do lugar. O time foi embora, eles seguiram com suas raízes fixadas. Meu nonno e minha nonna, em que pese serem italianos, moravam numa casa na rua Machado de Assis, desapropriada pela prefeitura para dar lugar a uma rua, próximo da Casa Aluísio de Almeida, sede do Instituto Histórico e Geográfico. Raramente eles atravessavam a linha do trem para vir à casa de meus pais na Vila Santana, imagine para ver um jogo. É uma questão de cultura, algo não levado em conta pelo prefeito de então para a escolha do lugar onde construiu o estádio municipal.
Eu como jogador do Estrada não via incoerência alguma em torcer pelo São Bento, embora essa tenha sido sempre uma visão pessoal, só minha. Havia rixa, sim. Quem era Estrada não gostava do São Bento.
Torcer pelo São Bento… O mais correto seria dizer sofrer. Esse é o mais adequado termo para explicar a relação com o time. Sempre se espera o pior, pois com certeza ele vem. Como neste ano, onde ganhou 8 pontos em 12 possíveis e não ganhou um único outro pontinho em outros 18 jogados.
Mas eu, criança, não sabia disso e rezava com fé pedindo a Deus e Santa Rita que não deixasse o time ser rebaixado. Que sofrimento o dia de jogo! Que alívio quando empatava ou vencia. Nunca houve alegria! Ou melhor, era uma alegria masoquista. Uma dor que faz bem.
Meu irmão mais velho e meu cunhado me levavam ao Humberto Reale, o campo do Além Ponte, onde vi jogos que seguem em minha memória. Um domingo de manhã, contra o Comercial de Ribeirão Preto, me lembro de ficar espremido no alambrado. Uma quarta-feira à noite, um show de Enéas da Portuguesa. No Walter Ribeiro, o estádio do Além Linha, eu ia sozinho desde a sua inauguração em 1978 quando eu tinha 11 anos. Ali fui gandula. Inclusive expulso por Dulcídio Vanderlei Boschilla embaixo de uma saraivada de laranjas jogadas pela torcida corintiana e de palavrões de Dulcídio… Mas essa é outra história.
Ouvindo a rádio Clube, rezando, em 1979, tive certeza de minha participação na permanência do time na divisão de elite após as cobranças de pênaltis no Parque Antárctica contra o XV de Piracicaba. Há Ingenuidade maior do que essa!
O que resta, agora?
Passar um novo tempo na segundona. O que não acho de todo mal. São jogos tecnicamente mais difíceis de assistir, com jogadores “apanhando” da bola, porém mais francos e verdadeiros sem apenas o medo de tomar gol, mas com uma pitada de ousadia para tentar fazer um.
É ano de eleição para escolha da diretoria e, parece, há chapa de oposição. O que não quer dizer nada, pois não fosse essa mesma turma que está aí há uma década e o São Bento já nem existiria mais.
Enquanto existir, seguirei sofrendo… Agora sem ingenuidade, mas o mesmo masoquismo.