Houve época em que uma nova dupla de amigos, Manoel Weber e Antônio Querino Neto, apresentou a Sorocaba o Bloomsday (o dia 16 de junho na vida da personagem Leopold Bloom), uma referência a “Ulysses”, o livro mais comentado e menos lido de toda a literatura.
Eu, confesso, estou na lista dos que largaram a leitura no meio do caminho. E faz tempo, uns 30 anos. Talvez esteja na hora de retomar, afinal, quando um leitor não se entende com um livro consagrado, o problema é só dele.
James Joyce faz a literatura dar um salto com esse livro ao traçar um paralelo na vida de um homem comum (Leopold Bloom) e o herói da “Odisseia”, de Homero, ao narrar com minúcia um dia (16 de junho) na vida desse homem comum. Isso em mais de 1000 páginas.
Lançado no começo dos anos 20, do século passado, virou um dos livros mais importantes da literatura no último século e angariou fãs pelo mundo. Em todo canto há leitores se reunindo, ainda que virtualmente, para festejar Leopold em seu dia. Eu me me inscrevi para uma dessas festas virtuais, agendada para começar hoje às 19h no Sesc Sorocaba. A festa já havia despertado o interesse de outras 627 pessoas quando me manifestei no site da entidade.
É cult celebrar o Bloomsday. Cult, que significa culto em inglês, se tornou gíria para definir um estilo, pessoas que preferem coisas alternativas em vez de coisas comuns, quando se fala em músicas, filmes e modo de vida. E nada é mais cult, ainda hoje, do que usar o Bloomsday como desculpa para reunir gente com afinidades literárias em torno de bebidas e num mesmo lugar.
A decisão de Manoel e Querino ao se unirem em torno do Bloomsday foi significativa para mim pois eles trouxeram esse conceito em minha adolescência, uma época em que eu tinha uma vida em Campinas, mas não me desligava de Sorocaba. Não me lembro de evento de Bloomsday em Sorocaba, mas de Manoel e Querino organizando a ida de pessoas daqui aos PUBs de São Paulo onde havia a celebração.
Importante, porém, é a lembrança de que a apresentação do Bloomsday a Sorocaba se deu como consequência de uma briga no ambiente intelectual da época.
Pois se Manoel e Querino eram a nova dupla de amigos, antes houve uma época em Sorocaba com uma velha dupla de amigos, e que fez muito pela cultura local: o mesmo Querino e Gai Sang. O Cineclube Cinebando, histórico na cidade, com exibições na sala do cursinho Universitário na rua Miranda Azevedo, nasceu dessa amizade.
No meio deles, estava Edeméia Pereira – a grande diretora que fez história no Teatro do Sesi ao lado do saudoso Necyr Xavier – uma espécie de Yoko Ono. Ela era namorada do Gai e quando vi, Querino e Gai não eram mais amigos.
Não foi uma separação amigável. Querino dava o pontapé em sua carreira de crítico de cinema na revista Set, em São Paulo, deixando a província para trás. Gai se firmava como o editor do principal caderno de arte e cultura de Sorocaba no jornal Cruzeiro do Sul.
Nesse caldo, que se iniciava em meados de 1985 e entrava nos anos 90, surge o Manoel Weber, um tipo muito característico, com suas ácidas críticas ao Gai, autor das peças encenadas por Edeméia (um trabalho simultâneo ao de editor do jornal) e o establishment cultural daquele momento do teatro sorocabano. Quando conheci Manoel Weber, levei um susto, afinal ele nada mais era do que o Maneco da esquina das ruas Miguel Sutil com Souza Moraes, na Vila Santana, única casa com um pé de romã que abastecia a superstição de toda aquela região do bairro em todo final de ano. Ele incorporou Weber ao nome devido ao sociólogo que ele havia estudado, na época, na universidade. De batismo, Manoel deve ser Silva ou algum nome assim. Hoje, convertido, seria pastor Evangélico, conforme a última notícia que tive dele.
A amizade de Querino e Manoel esfriou. E então Manoel firmou parceria com Marcelo Nascimento, então apenas um jovem que adentrava à cena cultural e hoje, como um veterano na área, está no Conselho Municipal de Cultura, e ambos se tornaram Os Skrotinhos, em analogia aos personagens da tira de quadrinhos criadas por Angeli e publicadas na Folha de S.Paulo. Assim como os personagens das tirinhas, os Skrotinhos sorocabanos “eram desbocados e desprovidos de bom senso, e viviam a fazer troças de qualquer pessoa conhecida ou desconhecida que encontravam em suas histórias”.
Eles faziam barulho… E despertavam debates, discussões e ódio.
Então, chegaram as redes sociais e elas aceleraram o processo de desmoronamento do “mundinho” da cena local de cultura. A crítica de jornal acabou. O teatro patina. A MPB e o rock (quem se lembra do Vzyadoq Moe?) foram engolidos pelo sertanojo. A literatura, que nunca existiu, continua no fundo da gaveta dos seus autores. As artes plásticas, graças a Cristina Delanhesi, foi a única que deu um belo salto com o Macs (Museu de Arte Contemporânea de Sorocaba).
Viva o Bloomsday!