José e Hermann

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Alguns anos atrás, no Sesc Pinheiros, no cafezinho do intervalo de uma aula de Escrita Criativa, eu estava com um escritor já consagrado (o professor do curso) e outros aspirantes ao reconhecimento desta alcunha, num papo sobre literatura. Resolvi, então, num dado momento da conversa, emitir minha opinião e disse existir dois tipos de romances… e então fui interrompido pelo consagrado escritor sem que pudesse explicar o que pensava.

Já sei, ele disse: A boa e a má literatura. Ele zombou de mim, como se eu fosse falar um clichê. Todos da rodinha riram. Todos ririam de qualquer coisa que ele falasse, aliás, tamanha a lisonja que todos tinham por ele, embora, soube disso depois, ninguém dali havia ainda nenhum de seus livros.

O horário do café acabou, voltamos à sala de aula e nunca mais havia pensado no que se resumem os romances até ler “Ribamar” (que li nas últimas duas semanas), livro de José Castello, consagrado crítico literário de jornais como O Globo e O Estado de S.Paulo e premiado escritor brasileiro. Inclusive, “Ribamar” foi finalista do Prêmio Portugal Telecom de 2011.

Por que este livro me fez voltar à questão? 

Porque ele se encaixa no meu pensamento de que existem dois tipos de romance, além de um terceiro originário desses dois. Existe o romance onde é narrada a história de uma personagem e o romance onde é narrado o pensamento da personagem. O terceiro tipo é o que mescla os dois. 

Pois “Ribamar” narra o pensamento do filho de José Ribamar. É um mergulho no limite silencioso que selou a vida de ambos. É o que o filho acha, deseja, imagina, sonha… É a narrativa de uma mente.

Essa mente do filho de Ribamar é entrelaçada desde a primeira linha do livro com a obra “Carta ao Pai” de Franz Kafka. Livro, como diz o título, onde Franz tenta alcançar Hermann, seu pai, e nunca consegue. 

José Castello oferece ao seu leitor a oportunidade de ser o protagonista de seu livro. Seu livro é uma espécie de partitura para que o leitor interprete a si. Aliás a edição do livro sugere isso a cada início de capítulo, da capa e contra-capa.

Adorei o livro. Só lamento ter demorado tanto para ler algo de José Castello. Certamente lerei outros de seus livros, inclusive o recém-lançado “Devastação” neste junho de 2025.

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