Melhor do que clube de tiro

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Quando eu decidi ser jornalista, no começo dos anos 80, ainda adolescente, ouvia que havia jornalista demais.

Estudantes de Direito, então, ouvem isso o tempo todo: tem advogado demais.

Engenheiros a mesma coisa. Até médico, a unanimidade de que nunca existiriam em número suficiente, já ouvi de que são demais. 

Agora dei para ouvir isso de escritores: “Parece que há mais editoras do que escritores… e mais escritores do que leitores… será?”

A pergunta parte de Maria Valéria Rezende, 81 anos, autora com indicações aos  Prêmios Oceano e Jabuti de livros como “Vasto Mundo” que eu tanto adoro.

Se fez a pergunta é porque o tema a incomoda. 

Caetano, Chico, Tom, Milton… qualquer um desse calibre… se perguntaram a razão de tantos e tantos compositores e intérpretes? Por que de tantos barzinhos, programas de auditório e coisas do tipo? 

Isso vale pra jogador de futebol, time, campeonato…

Vale pra qualquer atividade. 

A dúvida da Maria Valéria não é só dela. Outros escritores também já fizeram esse jogo. Apenas faltam-lhes coragem pra dizer que por trás dessa ironia sobre a quantidade de escritores há implícito o desejo deles de que apenas os bons fossem publicados. Aí ficaria a questão: Quem é bom? Segundo qual critério? Seria necessária uma “comissão de aprovação”?

Quem diz o que é bom?

O Manuel da Costa Pinto com seus dois, três programas de entrevistas com escritores? Uma nota publicada na Folha, Globo, Estadão, Valor? A publicação de um amigo sobre a obra do outro. Ahh, um prêmio!

Olha que tamanha idiotice está por trás da “dúvida” de Maria Valéria e outros.

Ao invés de lamúrias, sim essa retórica de Maria Valéria é apenas uma reclamação, ela, como veterana, deveria aplaudir e incentivar a abertura de editoras e o lançamento de livros e escritores. Quanto mais se publica, mais se escreve e, consequentemente, mais se lê.  

Uma lei geral da Semiótica diz que as relações determinam os termos de modo que alguém só pode ser escritor se houver leitor. Só há leitor se houver escritor. Só há literatura se houver quem a faça. Não existe, isoladamente, nem um ou outro. 

Ao invés de choramingar, Maria Valéria deveria ler o que há de novo, debater as temáticas, criticar a linguagem… 

Só quem trata de distopia merece atenção! Parece que sim. Nenhum outro tema reverbera atualmente.

Há literatura de todas as temáticas sendo feita. Essa é a verdade. Literatura esperando por leitor. E não há nada de errado que se multipliquem em progressão geométrica as editoras independentes, os escritores que enfrentam seus demônios para terem tido coragem de pedir a alguém para ler o que escreveram. Que todos encontrem leitores. Só isso o que desejo. São mais de 200 milhões de brasileiros. É um potencial e tanto. Não há nada a temer! Melhor escritores, mesmo ruins, do que atiradores.

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