Eu não fazia ideia do que era maçonaria até ir trabalhar no jornal Cruzeiro do Sul quando eu tinha apenas 19 anos e estava no 3° ano da faculdade de jornalismo em 1987.
Eu era leitor do jornal desde criança, mas com minhas referências, ou seja, para mim era um jornal da comunidade, tratando de assuntos locais prioritariamente.
Meu pai assinava, ou comprava, e o exemplar ficava à disposição dos fregueses do bar na esquina de casa. Maçonaria é palavra proibida entre os católicos. Ao menos era.
O jornal Cruzeiro, fundado em 1903 para defender a causa Republicana diante do Império que prevalecia no começo do século 20, passou para a fundação da Loja Maçônica Perseverança III, onde está até hoje, em 1964.
Em saí do jornal em 1988 e voltei em janeiro de 1990 ou dezembro de 1989, não me recordo exatamente. Um período onde os valores da democracia sempre foram honrados nas páginas do jornal. Nunca houve qualquer afronta à Constituição naquele período. Nunca se ousou interpretar a lei maior. Não havia restrições a assuntos religiosos, por exemplo. Nem mesmo ideológicos, embora fosse um jornal de princípios liberais, ou seja, combatia questões que o PT, especialmente, pautava na sociedade. Se houvesse fato, ele virava notícia.
E um dos motivos dessa linha reta do jornal estava no compromisso de homens como Matheus Benevenuto Júnior. Ou simplesmente o Reverendo Matheus, cujo o anúncio de sua morte, aos 92 anos de idade, foi feito no domingo por seus familiares.
Líder da Igreja Presbiteriana em Sorocaba, reverendo, como eu sempre o chamei, tinha opinião. Era duro ao defendê-la, mas sobretudo um homem com argumentos para os seus posicionamentos.
Eu, praticamente um adolescente quando entrei no jornal, aprendi o que é a maçonaria por suas instruções. Eu, um católico da Igreja de Santa Rita na Vila Santana, compreendi o rompimento de Martinho Luthero com a Igreja Católica e criação da Igreja Protestante nas conversas com o reverendo. Muitas vezes também com dona Zilá, sua esposa.
Sua fé ultrapassava qualquer dúvida e a retidão com que praticava a sua crença permitiram que o jornal tivesse espaço para a tradição da música erudita, por exemplo, sem ficar refém de modismos impostos pela televisão que, nos anos 90, tinham forte apelo de audiência.
Quando estive para ser demitido, ao contar uma história, verdadeira, mas história, para o então governador do Estado de São Paulo, Fleury Filho, me atendesse no telefone, o senso de justiça do Reverendo prevaleceu perante a opinião de seus pares de diretoria que preferiam o mais fácil, minha demissão. Reverendo sempre preferiu o justo.
Na última década ele esteve recolhido. O que pode ter sido bom para ele individualmente, certamente não foi para a comunidade mais ampla, a que estava além dos domínios de sua paróquia.
Homens como o reverendo fizeram falta nos últimos cinco anos. E, agora com sua partida definitiva, mais falta ainda vão fazer. Isso fica claro nas manifestações de pessoas importantes, as autoridades, mas principalmente de quem conviveu com ele, como os escoteiros.
Escrevendo este obituário ouço sua voz grave, rouca e potente ecoando em minha memória. Sem dúvida, Matheus foi meu reverendo favorito.