Não é assunto de ninguém, nem de minhas filhas e netas, o que se passa em mim a cada aniversário de morte do meu pai. Neste 1° de julho já são 23 anos.
E pensando nele, penso que nunca foi assunto meu o que passava dentro dele sobre a ausência do pai dele.
Não sei se meu pai falava dos sentimentos dele com meus irmãos, mas comigo suas emoções eram guardadas como se fosse um grande pecado externá-las.
Cavando, consegui nos últimos anos dele retirar a brutalidade com que ele sufocou cada momento de sua caminhada.
É assim que vejo meu pai, alguém que começou a caminhar e nunca parou, mesmo quando esteve imobilizado em sua vida modesta subsidiada por sua aposentadoria na casa para a qual se mudou em 1970 e ficou até 2000.
Penso que não seja cavar o melhor termo para explicar o que consegui alcançar em meu pai. Talvez escavar, que exige mais delicadeza e cuidado, seja o mais adequado. Foram semanas atrás de semanas falando e falando, o que para mim não é fácil, até que ele grunhia alguma resposta.
Assim soube da existência de um irmão dele, morto muito jovem, quando a família vivia na cidade de Regente Feijó, apenas um dos locais onde local onde meu nonno e nonna levaram todos, cinco filhas e três filhos. Seriam seis filhas? Todas as mulheres viveram até envelhecer. O outro irmão do meu pai, que trabalhava no Armazém dos Rosa, no Além Ponte, morreu na casa dos 30 anos. E esse, nunca falado, morreu criança e foi enterrado na distante Regente Feijó.
A família de meu nonno foi apenas mais uma de imigrantes italianos explorados pelos donos de grandes latifúndios do Interior Paulista que cediam a terra em meada aos colonos que se matavam para preparar a terra, plantar, colher e deixar o lucro inteiro com o dono, o “empresário” que não coloca em risco o seu capital. São milhares de casos assim.
Era tanto filho para cuidar que não houve tempo para a dor da morte daquele menino, deixado no cemitério público de Regente Feijó.
Lembro disso tudo nesse aniversário de morte de meu pai, pensando que há muito tempo ninguém mais pensa neste meu tio. Um tio do qual nunca se dizia nada. Que surgiu uma única vez na escavação que tentava fazer na memória de meu pai. Que, imediatamente, submergiu nas suas entranhas.
Como ele tinha medo de si!
O passado, para meu pai, despertava emoções da qual ele fugia. Da qual não tinha controle. Da qual levaria a perguntas incômodas sobre si e o presente que eu insistia em viver.
Minha mãe, quando via que eu deixava meu pai em apuros com a insistência de minhas perguntas, saia em seu socorro me dizendo: Venha comer uma coisinha… Traduzindo: Já chega, você já atolou demais seu pai. Encha a boca e pare de perguntar.
Eu sempre fui obediente. Certamente, olhando hoje, não devesse ter sido. Muitas histórias estão enterradas com meu pai. Histórias que nunca poderão ser lembradas, portanto impossíveis de serem revividas.
PS – A tira que ilusta esta postagem é de André Dahmer, prêmio Jabuti de HQ. Acesse o site dele, vale a pena: http://www.andredahmer.com.br/