Modesto Carone, escritor, ensaísta, contista, professor e principal tradutor de Franz Kafka no Brasil morreu hoje, segunda-feira, 16 de dezembro, aos 82 anos, depois de um longo período doente e internado no hospital. Seu velório será no Salão Nobre da USP amanhã, 17, começando às 8h. Não sei ainda se ele será enterrado em Sorocaba, onde nasceu.
Fui apresentado a Modesto pelo professor Wlademir dos Santos no começo dos anos 90 através do livro “Dias Melhores” (Editora Brasiliense) quando meu interesse por literatura se intensificava. Eu descobria os prazeres de Murilo Rubião, por exemplo, e me deparei com Modesto.
Quinze anos depois, em 1998, já havia me tornado fã dele quando ele lançou sua novela “Resumo de Ana” (que se passa numa casa na região da Rua 13 de Maio, no centro de Sorocaba, e conta histórias interligadas, ambas com base em fatos reais, de Ana, uma doméstica, e seu filho, o narrador, e ambos lutam por serem felizes).
Nessa época, buscando tratamento para recorrentes dores de estômago, eu acabei no consultório de João Carone Filho, seu irmão, e desde então pergunto a ele sobre Modesto. No começo deste ano, João me deu o telefone da casa de Modesto e desde então adio – agora para sempre – telefonar a ele. Mais do que curiosidade, sempre desejei uma espécie de bênção de Modesto aos meus escritos que, aliás, ninguém ainda leu. Sempre achei que ele poderia ter algum interesse em ler pelo fato de sermos da mesma cidade e conhecermos algumas pessoas em comum.
A primeira vez que quase me encontrei com Modesto foi há dez anos, em 2009, quando foi criada a revista Serrote e na edição nº 1 está seu ensaio “Os Aforismos reunidos de Franz Kafka”. O ex-diretor-geral do jornal BOMA DIA, na época consultor da diretoria, Matinas Suzuki Jr., coordenador editorial da Serrote, iria se encontrar com Modesto e eu (editor do BOM DIA Sorocaba) me animei a ir junto. Mas Matinas preferiu ter a companhia de Jak Catena, a mais badalada colunista que o BOM Dia já teve.
Modesto viveu mergulhado no trabalho que lhe rendeu todas as honrarias possíveis a um intelectual do mais alto nível, como era seu caso: traduzir para o Brasil, diretamente do idioma original, a obra de Kafka. Até então, os textos publicados por aqui eram traduzidos do francês. Modesto teve em vida o reconhecimento acadêmico e de público por essa dedicação.
Nascido em 1937 em Sorocaba, Carone concluiu o bacharelado na Faculdade de Direito do Largo São Francisco no início da década de 1960. Mudou-se para a Áustria em 1965, para ser professor de língua e cultura brasileira na Universidade de Viena. No retorno ao Brasil, poucos anos depois, se formou no doutorado em letras anglo-germânicas na Universidade de São Paulo (USP). Ainda em 1975, recebeu o título de livre-docente em letras e literatura comparada.
Sorocaba, praticamente, ignorou Modesto Carone. Nunca houve uma festa para lançar aqui algum dos seus livros. Nem para palestras ele foi chamado. Nem mesmo para entrevista, em que pese esse ter sido um dos objetivos de O Deda Questão na TV que nunca se concretizou. Havia o desejo dele ser homenageado pela Associação Comercial de Sorocaba, num projeto idealizado pelo seu presidente, Sérgio Reze, de resgatar a memória das famílias sorocabanas. Sérgio e Modesto foram colegas de classe no Estadão e havia a intenção de trazê-lo para cá em 2020.
Uma última homenagem, singela, mas significativa, partiu da prefeita Jaqueline Coutinho que, reconhecendo a importância desse conterrâneo para o Brasil, decretou luto oficial em sua memória.
Do ensaio “Os Aforismos reunidos de Franz Kafka” (aforismo significa limitação, breve definição, sentença), Modesto Carone lembra que “o aspecto factual mais relevante dos 109 aforismos reunidos, aqui publicados neste ensaio, é que eles resultaram de uma seleção feita pelo autor, depois de tê-los passado a limpo à mão, com a evidente intenção de dá-los a público”.
Para homenagear, Modesto, escolhi o nº 5: “A partir de certo ponto não há mais retorno. É este o ponto que tem de ser alcançado”.
Modesto alcançou em vida esse ponto e viverá eternamente nos livros e nas gerações futuras que seguirão lendo Kafka em português graças ao seu esforço, dedicação e paixão.
PS 1 – O sepultamento de Modesto Carone será quarta-feira, 18 de dezembro, no Cemitério Horto Florestal (Rua Luiz Nunes, 111, na cidade de São Paulo), às 12h30.
PS 2 – “Eu não tenho outra cidade, embora tenha viajado durante muitos anos. É aqui em Sorocaba o meu lugar”. Essa declaração foi dada por Modesto Carone ao jornalista Carlos Araújo, que fez um perfil de Modesto quando do lançamento de O Resumo de Ana.