Meu pai, nascido em 1925, morreu em 2000, cinco meses antes de completar 75 anos. E a sua morte significou um marco dentro de casa. Minha mãe, nascida em 1929, renasceu para uma nova vida a partir daquele momento. A morte do meu pai encerrou um ciclo para minha mãe, a da organizadora doméstica da casa, abrindo-lhe a oportunidade de um mundo que ela pouco conhecia.
Primeiramente minha mãe continuou indo à missa, na Igreja Santa Rita, mas não havia mais a preocupação com o horário de estar em casa, o horário em que meu pai a esperava. Ela continuou participando da organização (ora como presidente, ora como secretária) do grupo “Coração de Jesus”, mas sem a pressa de fazer o que era necessário afim de preparar a janta do meu pai. Ela continuou vendo as novelas, sem ser amolada pelo que estava assistindo.
A morte de um dos cônjuges, especialmente, como no caso dos meus pais, quando estavam casados há 50 anos, comumente não encerra apenas o ciclo de quem se foi, mas também de quem fica. O luto da minha mãe foi profundo, mas não abalou a sua estrutura. Ela sempre tinha uma palavra da Bíblia, sobre as vontades de Deus, para explicar o seu momento.
A morte do meu pai, já naquela época eu percebia isso, abriu a oportunidade para minha mãe desfrutar de uma amizade quase juvenil que, possivelmente, ela havia tido apenas em sua infância e adolescência em Laranjal Paulista ou Cerquilho, cidades onde nasceu e depois morou antes de se fixar em Sorocaba em 1950, no ano que do seu casamento.
Minha mãe tinha amigas, dona Maria, dona Dirce, dona Adelaide, dona Alfa… e eu conhecia todas elas. Eu era caçula e, não raro, o álibe de minha mãe para ela ficar até mais tarde na igreja, tendo aulas sobre a História do Cristianismo com os freis (muitos alemães).
Mas, isso me ficou claro, a morte do meu pai permitiu aflorar a amizade da minha mãe com a Dulcelina, uma vizinha da rua debaixo, a Pereira de Camargo, na Vila Santana. Ela era viúva de um trabalhador da antiga Sorocabana (depois virou Fepasa) e aos poucos passou a ser assídua presença na casa da minha mãe. Elas iam juntas à igreja, ao shopping, a cidade (região central de comércio), se acompanhavam nas consultas médicas.
A Dulcelina tirou dos cinco filhos da minha mãe a preocupação que todos passaram a ter com ela que, sem meu pai, passou a morar sozinha. Não queria ir à casa de nenhum dos filhos e assim foi, morando sozinha e autossuficiente, até morrer aos 85 anos, em agosto de 2014.
Com a Dulcelina, fiel escudeira, minha mãe começou a viajar. Meu pai e ela, se não me engano, viajaram uma única vez. Foi em Lua de Mel, em julho de 1950, para o Rio de Janeiro. Foi a única vez, creio, que viajaram de avião. Depois, apenas viagens de compromisso (casamento ou, formatura de filho, neto…). Sem meu pai, minha mãe e Dulcelina expandiram-se de Sorocaba. Primeiramente, indo ao Santuário de Nossa Senhora, em Aparecida. Depois fazendo as viagens de lazer, turismo e cultura. Sempre de ônibus, mesmo quando foram ao interior de Goiás. Minha mãe separava um tanto de sua aposentadoria e pensão, nunca pedia nada aos filhos, e pagava sua própria viagem. Foram dezenas delas, sempre com a Dulcelina que passou a fazer parte da família – como pode ser vista na foto, onde minha mãe (ao centro) e ela estão marcadas com uma circunferência.
Na manhã de hoje, no segundo dia da Quaresma, chegou a hora da amiga da minha partir: Dulcelina Maria Euzebio Pereira (Nascida em 25/08/1928) morreu em 27/02/2020, aos 91 anos. Seu féretro sairá às 9h de amanhã (dia 28/02/2020) da Ofebas para o Cemitério da Saudade.
Como disse meu irmão, no grupo de whatsapp da família, as duas já estão marcando uma nova viagem. Assim seja.