A chuva sempre fez parte de minha vida de modo absolutamente integrado com quem eu era, na casa de meus pais e quatro irmãos na Vila Santana.
Se chovia, a brincadeira era correr nas poças, represar a água com os pés na sarjeta, jogar bola embaixo d’água… Eram dias normais, só que com água.
Quando eu já era adolescente, se chovia, usava o guarda-chuva. Era simples. Nunca fui dos que se importou de usar guarda-chuva, embora tenha conhecido muitos que não gostavam. Não apenas pelo incômodo de carregá-lo depois que a chuva passava, mas por ser algo fora da moda. Eu sempre fui daquelas pessoas que se algo era fora da moda era isso que eu queria usar. Tem muita gente assim, não tanto, porém, quanto os que querem estar na moda. Não fosse desse modo e não existiria uma indústria do ramo. Indústria, aliás, que está na mira dos ambientalistas pelo dano de seus produtos químicos ao meio ambiente.
A água da chuva corria para os bueiros, córregos, rios e chegava no oceano. Bom, a que conseguia. A maioria das águas das chuvas, imagino eu, era absorvida pela terra. Havia muita terra, grama, mato, área… Eram poucas construções. Era uma cidade com a população beirando os 175 mil habitantes. Era a década de 1970.
Não sei onde aquela criança prática, a que eu fui, se escondeu dentro de mim. Se é que ela ainda está aqui.
O tempo fechou, eu fico tenso. Chove sem parar, eu temo o pior e mando mensagem para minhas filhas se protegerem. Me tornei aquela pessoa que lê a previsão do tempo não apenas do dia, mas da quinzena.
A cidade cresceu e todas as ruas foram asfaltadas e todas os campinhos de futebol foram ocupados por edifícios e toda água corre para os bueiros que não dão conta de absorver tanto volume e enchem as vias. Os córregos e rios transbordam para os lados até conseguirem escoar tanta água. Casas, hospitais, igrejas são invadidos pela água e sujeira.
Já são quase 800 mil habitantes e mais de 5 mil condomínios em Sorocaba, a maioria de apartamentos com 52 metros quadrados. Não fosse eu liberal, mas comunista, minha primeira providência seria autorizar apenas moradias com 50 metros quadrados por habitante da moradia. Um casal e dois filhos, moradia de 200 metros quadrados. Só assim se garante privacidade. Mas o mundo, como eu, é liberal. O que regula a relação entre pessoas e os entes da comunidade é o dinheiro. E as pessoas se sujeitam a passar 25 anos da vida pagando o financiamento de 52 metros nas alturas.
No ano passado, decidi, devagarzinho, trafegar com a água da rua na altura do para-choque durante uma tempestade. A resistência da água (quem chegou ao Ensino Médio e prestou um mínimo de atenção à aula de Física se lembra que cada litro de água pesa 1 quilograma) simplesmente amassou o carro. Ainda bem que foi só isso. Na madrugada de sábado uma senhora de 73 anos não teve a mesma sorte. Morreu mesmo com a chegada dos bombeiros na alça de acesso à avenida Dom Aguirre, às margens do rio. Carros são arrastados ou ficam encalhados. Essa é a realidade da cidade. Das cidades!