Não, introduz

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Após o educado bom dia de cada lado, fiz meu pedido ao açougueiro: 4 bifes de contrafilé, 4 bifes de alcatra e meio quilo do miolo do sete moído. Peço que você coloque cada bife e a moída no pacote à vácuo. Tudo separadamente. Três pacotes. Fui enfático, três pacotes.

Pedi que ele tirasse toda gordura e nervo do contra e alcatra e colocasse junto com o sete na hora de moer.

Eu vi quando ele fazia os oito bifes e limpando o sete. Sou freguês nesse açougue porque além da carne ser boa, os funcionários são atenciosos em fazer o que o freguês pede.

Então uma senhora, bem velhinha, usando avental de cozinha, só aquela parte da saia, chegou com o neto, de 14 anos suponho. Disse para ele escolher o que quisesse, apontando para o balcão. O menino, apesar do calor das dez da manhã, usava moletom e capuz. Ele apontou para o peito de frango enrolado no bacon e preso com um palito… Nada mais adolescente do que essa combinação, pensei comigo. O menino não emitiu sequer um som. Tá doentinho, me disse a avó. A escola ligou para ir buscar ele. Fiz uma piada, tipo ele ter mentido pra fugir de alguma prova, mas ninguém achou engraçado.

Então, o que vejo?

Meu açougueiro descartando toda gordura da alcatra e do contra, que era para ele moer com o sete, e moendo a alcatra, contra, limpinhos, com o sete. Tudo junto. E fez três pacotes no vácuo de carne moída. Fez o hambúrguer mais caro e seco da história. Afinal, hambúrguer bom é o que tem 20% de carne e 80% de gordura. E me pergunto: Se ia moer por que fez o bife?

Quando respirei fundo pra me indignar, o açougueiro foi mais rápido: Caprichei, hein Deda. Esse blend é bom?

Fiquei desconcertado. Primeiramente por ele saber meu nome. Mas sobretudo por ter usado a palavra blend, que nada mais é do que mistura em inglês.

Eu engoli minha reclamação. Passou doendo na minha garganta. Qualquer coisa que eu me atravesse a falar seria dita aos berros, com arrogância e agressividade. Eu não seria capaz de dizer nada menos do que burro. No sentido de imbecil, idiota, palerma. 

De esguelha, o dono do açougue, um senhor na casa dos 70 anos, que me disse um dia ter conhecido meu pai, que foi açougueiro e se estivesse vivo iria fazer 98 anos no fim deste ano, apenas olhava o que acontecia em seu açougue.

Diante do meu silêncio, ouvi do açougueiro: Mais alguma coisa? Que tal um bifinho pro dia a dia? 

Foi o que te pedi, palerma. Pensei… 

Então eu lhe disse: Me dá 12 dessas almôndegas, por favor. 

Mais alguma coisa? 

Não, tá ótimo. Obrigado pela atenção, eu disse e fui ao caixa. 

A moça contou 4 pacotes e 6 etiquetas com o código de barras e me perguntou: Tá certo? Eu disse: Ô. Tá tudo bem aqui e dei três batidinhas nos pacotes de alcatra e contra sem a gordura moídos com o sete. Ela me perguntou, mostrando a maquininha: Aproxima? Eu respondi: Não, introduz.

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