Nova afetividade 

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Eu já era casado, tinha filhas, trabalhava, estudava no mestrado, viajava, começa a pagar pela casa própria e, ainda assim, minha cabeça vivia no ambiente dos amigos de faculdade. Minha mulher, um dia, me disse que eu nunca iria superar aquele momento de minha vida. 

Ela estava enganada. Demorou, mas passou. Passei as últimas décadas com pouco, ou nenhum, contato com aquele mundo.

Neste intervalo o meu grande amigo morreu. Os outros foram no seu caminho profissional, e pessoal, de modo que aquele momento passou a ser mais um, marcante, como foram as amizades de infância, do grupo de jovens da igreja, do time de futebol no clube. Todos foram. E estão em algum lugar da memória.

O que eu não mais imaginava era reviver, no literal sentido de viver novamente, nada do que já foi. E, de fato, isso não está acontecendo. Mas estou vivendo a maturidade com as mesmas pessoas com as quais convivi na juventude (momento ímpar, de ir morar em outra cidade numa república, sem o olhar dos pais). 

Eu tive a chance, para mim tão importante, de escrever um texto respondendo o pedido de uma amiga para contar tudo. E contei, sem medo, o que me é raro. Contei que tudo, em mim, começou a acontecer em 1966, nove meses antes de eu nascer em junho de 1967.

Tão importante quanto a chance de contar é estar lendo histórias de cada colega daquela turma, muitas delas pessoas com as quais eu não tive a convivência como eu tinha no meu círculo, e descobrindo vivências e experiências admiráveis. Das famílias, dos filhos, do risco de morte, das escolhas profissionais, das conquistas pessoais.

As narrativas estão no grupo de WhatsApp, onde nos comunicamos e mostramos fotos de 1985, 86, 87 e 88. Onde nós estamos sendo acolhidos, amados e rimos com a memória, ou falta dela, a cada novo relato ou imagem. A cada momento alguém diz: Lembra aquele dia… Lembra aquela festa… Lembra aquela aula… Alguém diz o quanto prazeroso está sendo esse exercício de afetividade. Cada um no seu ritmo e do seu jeito.

No sábado, uma pequena parte do grupo se encontrou em Campinas. E foi muito bom sentir a energia que nos uniu ali. Olhar nos olhos de quem não víamos há tempos. Dançar. E voltar pra casa com o pensamento acelerado percorrendo as escolhas feitas há 39 anos, as consequências dessas escolhas, o que é e o que poderia ter sido a vida que é de cada um. Lembrando o que se desejava e não foi dito. Dizer o que se deseja sem esperar por nada além do calor da afetividade entre quem, um dia, havia compartilhado o espírito livre da liberdade, do amor e intelectualidade.

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