Sílvio Santos perguntou a uma menina de 8 anos num dos quadros do seus “milenar” programa dominical se ela prefere sexo, poder ou dinheiro?
Em 1975, quando eu tinha 7 anos de idade, seu Jaime Germano, diretor da Escola Estadual Genésio Machado, onde eu estudava, num dos discursos de toda sexta-feira na cerimônia cívica, disse que nós ali, alunos, éramos os responsáveis pelo futuro do Brasil. Não sei bem o motivo, mas aquilo ficou marcado em mim. Os anos foram se passando e de vez em quando eu me perguntava se o futuro já havia chegado, se já era minha vez de fazer alguma coisa.
E agora essa responsabilidade me vem à cabeça novamente. Quando essa menina de 8 anos terá condição de responder a essa pergunta de Sílvio Santos em toda a complexidade que está embutida nas alternativas dadas por ele!
Graças ao avanço da ciência, hoje é de conhecimento geral que a chamada primeira infância – período que vai do zero aos 6 anos, quando o cérebro se desenvolveu completamente – é fundamental para se dizer que adulto uma criança será. Ou seja, se antes os efeitos das experiências nos primeiros anos de vida eram discutidos do ponto de vista comportamental e de formação da personalidade, hoje a tecnologia e a ciência já conseguiram comprovar que os estímulos do ambiente e das interações têm impactos determinantes na formação do cérebro. As conexões entre os neurônios se estabelecem em menor ou maior velocidade a partir dessas interações. Sabe-se ainda que além de uma maior capacidade cognitiva, crianças bem estimuladas nos primeiros anos de vida tendem a ter um desempenho escolar melhor, além de chances menores de envolvimento com o crime e o uso de drogas.
Não vi o quadro, o seu contexto, a sua piada, mas acompanho a polêmica que se instaurou a partir dessa aberração de SS, um dos maiores comunicadores da televisão mundial.
Há instâncias na sociedade brasileira, e o Ministério Público é uma delas, em condições de chamar Sílvio Santos à responsabilidade dessa sua colocação. E das consequências que ela poderá provocar.
Do ponto de vista político, me espanta os “protetores da família e bons costumes” que pregam contra as novelas da Rede Globo estarem sendo tão tolerantes com SS na mesma proporção que acho justificável o cinismo hipócrita dos Crivellas, Malafaias, Bolsonaros, pois assim como SS eles também acham que foi só uma brincadeirinha.
Apenas a maturidade emocional, intelectual e mental dão plena capacidade a um indivíduo para ele diferenciar a malícia, a segunda intenção, a “pegadinha” contidas no discurso proferido por um emissor dominante num discurso. SS – assim como os líderes religiosos e os políticos de modo geral – mesmo que de maneira intuitiva, faz isso como um doutor em Semiótica e Linguística – e mesmo adultos, bem preparados intelectualmente, muitas vezes, não conseguem captar essa sua habilidade, quem dirá uma criança de 8 anos como foi o caso da menina de seu programa que serviu de escada para a gague do seu quadro.
O palhaço, aos 88 anos, está abusando do uso do seu picadeiro. Que o estrago – não a ele, afinal esse será problema dele – não seja definitivo a nenhuma de suas vítimas. Sim, suas colegas de trabalho não passam disso, vítimas do seu picadeiro de horrores.