Foi surpreendente a alegria que eu senti quando abri o Facebook e ali na minha Linha do Tempo estava o comunicado da faculdade a respeito da morte de um dos professores da escola.
Foi algo tão rápido este sentimento de alegria. Fugaz! Uma espécie de você se danou e eu sigo por aqui.
Eu vou seguir muito tempo, aliás!
Gargalhei sozinho ao saber de sua morte e de que continuo bem vivo.
Então tratei de engolir minha alegria. Tratei de reprimir meu bem-estar para dentro de mim.
Que tipo de pessoa fica feliz com a morte da outra! De outra com quem eu nunca estive presencialmente e nunca tive qualquer tipo de contado.
Foi difícil. Foi como recolocar a pasta de dente para dentro do tubinho. Você até consegue recolocar, mas sobra muita pasta pra fora.
Há quatro décadas. Sim há exatos 39 anos, este professor vivia na Holanda. Era uma espécie de hostes na cidade de Deen Haag aos brasileiros, especialmente as brasileiras, que iriam estudar no Real Conservatório de Haia, a maior referência em música antiga do mundo. E para lá foi minha namorada em 1986. Era uma época em que se podia falar ao telefone via DDI desde que se pagasse o preço de um rim, por minuto, pra isso. Até as cartas, essa manuscrita e selada, eram caras. Os postais eram populares. Acessíveis.
Era época, onde a vida tinha outro ritmo…
Nunca eu havia gostado de alguém. Foram seis meses (o tempo em que ela ficou na Holanda) estranhos pra mim. No sentido de serem diferentes. Até então era eu e eu. Não existia outro. Eu apenas fazia o que queria. Mas uma namorada transformou isso. Diante de qualquer coisa simples eu me perguntava: O que ela vai pensar disso?
A vida havia se complicado. A minha. E eu tinha apenas 19 anos. Tudo ficou mais travado.
Enfim… ela voltou.
Eu não sabia quando era seu voo de volta. Sei que seu irmão veio me buscar dizendo que ela desembarcaria daqui duas horas. Uma euforia tomou conta de mim. Uma alegria. Eu me sentia realmente feliz. Uma expectativa de completude.
Nunca perguntei se me buscar para recepcioná-la no aeroporto, naquele início de noite, foi uma decisão do irmão dela ou dela. Sei que eu estava entre seus pais e irmãos.
Não mereci da parte dela nenhuma atenção especial e, resumindo, quando tudo havia se acalmado e sua casa estava em silêncio, ela me chamou para pôr fim ao namoro. Já era madrugada.
Ao longo do tempo, a partir daquele instante zero, passei a viver numa tristeza imensa. Uma dor que mistura rejeição e culpa. Uma perseguição a mim mesmo me responsabilizando por aquele desfecho. Um desânimo. Minha alegria, algo marcante em minha personalidade, havia murchado como murcha um balão de ar quando exposto ao sol.
Anos depois, quem estava na Holanda era eu. Aquela dor estava enterrada e não me lembrava mais dela. Até que um dia, ao acaso, conheci uma moça. Como minha então namorada, essa moça, também brasileira e também estudante de música antiga, estava na Holanda aperfeiçoando seus conhecimentos. E eu, no contexto de uma conversa, falei que conhecia a fulana. Não disse que havia sido minha namorada. Então ela me disse que sabia quem era. E, resumindo, falou: Ela ficou bem conhecida aqui por suas aventuras amorosas com o professor…
Foi o tipo de coisa que não só desenterrou minha mágoa como me fez reviver no sentido literal de viver novamente, duplamente, o sentimento de rejeição que tanto me destruiu. Mas foi libertador no sentido de eu não mais me responsalizar pelo fim do namoro. Na verdade, foi o fim de uma vida. Eu tive outra vida. Eu me mudei de cidade. Abandonei os amigos. Deixei para trás relações e relacionamentos e fui começar do zero. Sem conseguir ser aquele que eu havia sido até os 19 anos, um menino feliz. Havia me contaminado pelo am(arg)or. Nada que impedisse de ter levado a vida adiante. Tal é a verdade que estou aqui feliz em ler sobre a morte do professor.
Que ele arda no fogo do inferno, pensei eu. Mas logo me corrigi. Quem sou eu para desejar isso de alguém?
Surpreendente é eu carregar tamanho rancor por tanto tempo! A mim surpreendeu. Ainda mais por não saber que o carregava. Que tantos outros rancores eu carrego sem saber que pesam? Como descobrir o que nem sei que escondo! Que o tempo futuro, que é o que ainda tenho, pois o tempo passado já não me pertence mais, seja de descobertas e surpresas.