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Quando voltei da Holanda, onde fiquei seis meses em Deen Haag (Haia), em 1989, fui morar num apartamento no bulevar Braguinha.

O período que vivi lá serviu para reafirmar alguns valores que eu tinha, de minha infância na Vila Santana, mas foram ficando para trás por imposição do sistema social no qual estamos inseridos.

Entre esses valores estavam estudar em escola pública (minhas filhas foram à particular), buscar atendimento médico nas unidades públicas (há anos pago mensalmente uma fortuna num plano particular), usar eletros, roupas e sapatos até o “fim” da vida deles e mandar consertar para que continuasse sendo usado. Hoje, antes do fim, tudo já é descartado.

Mas quando retornei, a minha mentalidade era a de usar o serviço público e consertar o que dava.

Assim eu conheci o José Bete, sapateiro, com sua loja na rua da Penha, lá embaixo, na frente da praça na esquina com a rua Álvaro Soares. Ou seja, eu era vizinho dele.

Bete morreu na noite de segunda-feira e só na manhã de ontem eu soube do fato. Ele tinha 80 anos. Foi enterrado no cemitério da Consolação, onde meus pais e nonnos também estão sepultados. 

Zé Bete era das pessoas mais íntegras que conheci. Ele só recebia do freguês quando entregava o serviço. Mas o freguês não tinha a mesma índole e muitos não voltavam pegar o sapato deixado para arrumar.

Por força do meu ofício de jornalista, meu expediente de trabalho começava às 14h de modo que minhas manhãs eram livres. E uma ou duas vezes na semana eu ia onde? Na sapataria do Zé. 

Ele não sabia o que eu fazia. Assim como não sabia de outras pessoas que paravam ali. Zé fumava enquanto trabalhava. Então o ambiente tinha cheiro de cola misturado ao de fumaça. E, não raro, alguém levava uma caninha. A sapataria era um espaço de cultura. Cultura da vida. Das coisas que a gente sente.

Não me lembro se foi na eleição de 1989, ou na seguinte, o então candidato Lula foi ali na rua fazer campanha. E entrou na sapataria do Zé.

Quando me mudei do centro da cidade para uma casa de bairro, parei de frequentar a sapataria (a não ser para levar e pegar sapato que mandava arrumar), mas não de me encontrar com o Zé. Nós dois, íamos à padaria Real do centro. 

Soube mais da vida do Zé Bete, e de toda sua família, do cuidado que ele sempre teve com pais e irmãos, por meio de crônicas e histórias postadas por seu irmão famoso, o ator Paulo Betti. Aliás é emocionante o que Paulo diz de Zé em texto publicado em sua página no Facebook anunciando a morte do irmão. 

Que alguém tenha a ideia de publicar as fotos do Zé e sua sapataria. São lembranças de família, evidentemente, mas são também da memória da cidade e país.  Descanse em paz em sua vida eterna Zé.

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