A inveja

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Eu estava parado no trânsito, aliás que praga essa quantidade de carros enfileirados, um atrás do outro, apenas com o motorista. São carrões, do ponto de vista de tamanho e também de preço.

Parado ali eu tinha tempo para acessar rede social ou até ler uma página do livro que sempre me acompanha. Mas preferi fazer uma das coisas que mais gosto: olhar para até onde minha vista alcança.

Me ative num ET. Um homem alto, seguramente 1,90 metro, ereto, andando pela calçada sem arquear os braços. Ele tinha postura. Não tinha barriga protuberante e usava um chapéu tipo Panamá, de palha, mas dava pra ver que seus cabelos haviam se esbranquiçados. Sua calça era de sarja, cor cáqui, camisa azul, jaqueta. Ele desfilava descendo a avenida General Carneiro. Ao seu lado havia um amigo, sem chapéu, mas quase com o mesmo traje. Baixo, moreno. Um tipo comum. Usando tênis. 

O homem grande que destoava do ambiente (certamente ele era inglês, australiano ou sul-africano) usava sapatos. Não qualquer sapato, mas um par de couro como se vê nos pés de alguém que tem acesso ao que há de melhor. Um par de sapatos claramente artesanal, feito sob medida, em algum atelier de Milão. Estilo Derby, também conhecido por Gibson, criado no século 19, e que ficou com esse nome para homenagear o 14° Conde de Derby no interior da Grã-Bretanha.

Meu pensamento, na hora, foi: Eu quero um. Quero aquele sapato. Marrom num tom raro. Cor de caramelo com cristais de sal e creme de leite como minha mãe chamava a calda do pudim de domingo. Olha que cor linda, ela me dizia em exclamação. Parece a bala Toffe, eu replicava. É! Ela dizia, concordando e me repreendendo como se me dissesse: Você só pensa em doce..

Então o fluxo de carros andou. E comigo carreguei a imagem daquele sapato. Eu conheço pessoas com bastante dinheiro, que usam bons sapatos, caros, mas nenhum comparado ao de um artesão italiano que faz sob medida.

O carro, quando Henry Ford criou o veículo, vendia liberdade. O ir e vir havia ganhado outra dimensão e mudou o mundo. Hoje o carro é sinônimo de liberdade, nunca perdeu essa característica, mas acima de tudo significa status quo. A pessoa prefere, em muitos casos, investir num bom carro ao invés de uma casa. Pior, ainda, segue usando passo doble.

Eu, quando for rico, não terei carro, andarei de ônibus e quando necessário, táxi ou aplicativo. Mas estarei sempre com meus sapatos

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