Os 30 anos de um livro 

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Sendo a epígrafe a frase que colocada no início de um livro, um capítulo, um poema, etc., serve para resumir o sentido ou situar a motivação da obra, sendo, enfim, seu mote, me atrevo, para externar a compreensão que tive de “O ensaio sobre a Cegueira” colocar como epígrafe esta frase, localizada na página 262: “Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos”.

“Ensaio Sobre a Cegueira” chega maduro e cheio de vitalidade aos seus trinta anos. É um livro de 1995 do Prêmio Nobel de Literatura José Saramago, português, único laureado com esta distinção em Língua Portuguesa. Trata-se o livro de uma estória, porém como já é avisado no título da obra, antes, também, um ensaio: “Um tipo de texto em prosa que apresenta as ideias do autor de forma original e crítica sobre um tema”, define o dicionário Houaiss.

Saramago escolheu este gênero para fazer uma obra que segue vivíssima três décadas depois de publicada. Estará tão viva daqui 70 anos, em 2095, quando estará centenária. Não há nada indicando ao contrário neste momento. E a explicação para esta sentença é o enredo, um tanto simples, contada em 17 capítulos, não numerados. No primeiro capítulo é apresentada a problemática da obra: No semáforo, um motorista fica cego. Uma cegueira branca. E ao longo da estória outros vão cegando, como se um cego contagiasse outro, exceto uma mulher, esposa do oftalmologista. E, como diz a epígrafe desta resenha, cada um vai revelando quem é do ponto de vista moral, ético, cultural, político, intelectual…

É uma metáfora e tanto. Tão tanto que ainda estará viva num futuro distante, pois não há o que aconteça que impeça o ser humano de em casos limítrofes, como a cegueira, externar quem de fato é. 

Não é um livro difícil de ler, tampouco um livro fácil. É um livro que alterna seu ritmo e num de seus extremos narra o horror de uma série de estupros. O horror é tanto por essa violência em si quanto pela forma como o estupro é organizado, onde os homens cedem suas mulheres e essas mulheres entendem que se entregarem aos estupradores é o certo a fazer em nome da sobrevivência de todos.

Claro que o livro permite que sua metáfora seja extendida à vida em sociedade, aliás, assim foi interpretado este livro pela totalidade da crítica a cinco anos do novo milênio quando foi lançado. Assim muitos ainda o leem diante do pêndulo ideológico do mundo insistir ainda estar à extrema-direita. Assim cada país poderá encaixar a obra em sua realidade. E é justo que seja feito, só não é justo ver “O Ensaio sobre a Cegueira” apenas e única e exclusivamente por este prisma. O livro é, sobretudo, sobre a alma humana. Aquilo que é comum ao ser humano, independentemente de nacionalidade. Aquilo que não podemos ver, mas está dentro de nós como estão outros órgãos biológicos.

“Há muitas maneiras de se tornar um animal” (página 97); “Para chegar onde se quer, tudo depende de onde se esteja” (página 106); “O medo cega” (página 131); “Há ocasiões em que a palavra não serve de nada” (página 172); “Todos relatos são como a criação do Universo, ninguém lá esteve, ninguém assistiu, mas toda gente sabe o que aconteceu” (página 253); “O ridículo mete medo” (página 291); “Cegos que veem, cegos que, vendo, não veem” (última linha do penúltimo parágrafo do livro, página 310)…

São estes apenas alguns exemplos que compõem este ensaio sobre o que há dentro de nós.

PS – Este livro foi lido como parte do curso de Letras do Instituto Federal de Educação de São Paulo, unidade Sorocaba.

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