Os jogadores

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Um dia antes de eu viajar à Festa Literária de Paraty fui ao “meu” barbeiro para cortar a barba que estava naquele ponto em que espeta o rosto. Tinham três fregueses na minha frente e então fui embora. Voltei no fim da tarde e já estava instalado na cadeira quando ele disse que tinha compromisso e não poderia me atender. Fui despejado, literalmente. 

Entre a indignação, a raiva e o conformismo, optei pelo último, afinal quem sou eu para achar que tratar bem um freguês é mais importante do que seu compromisso na Igreja Universal. Aliás, ir à igreja fez bem à sua vida no que diz respeito à distância dele e seu vício em bebidas e outras drogas. A mão-de-ferro do pastor, calçada na ameaça e no risco da desgraça, mantém meu barbeiro são. Não é um homem livre. Ele é preso à igreja onde diariamente, numa espécie de prisão em regime semiaberto, ele se apresenta. Sem atraso.

Assim, com a barba me incomodando, cheguei em Paraty. Uma viagem cheia de percalços que levou o dobro de tempo e provocou intercorrências. Nada demais.

O fato é que no meu segundo dia em Paraty, a coceira era tanta que aproveitei o momento de almoço para ir ao barbeiro. Pergunta para um, para outro, pra um terceiro, para um guarda… Ninguém sabia onde achar um barbeiro. Fui caminhando em direção à rodoviária, pois sempre há um barbeiro nos arredores. Cerca de 600 metros depois, eu já estava fora do Centro Histórico onde a Flip acontece. Uma espécie de portal invisível separa a história do local de sua cidade real. Não apenas pelas pedras que ficam no chão histórico, mas pela atmosfera. Não há vestígio na parte nova da cidade de que a menos de um quilômetro dali acontece a principal festa literária do hemisfério sul. 

Um jovem me ouviu perguntando de um barbeiro a um senhor e entrou no assunto. Apontou o local. Onde, perguntei, pois não via placa alguma. Não tem placa, é no fundo da loja. Fui ao ponto indicado. Uma loja como tem nos shoppings, de tênis Vanz, tipo skatista. Barbeiro, falei à balconista. Ela apontou o fundo. E lá fui eu. Após atravessar araras e balcões me deparo com um local um tanto apertado, sem janelas e banco em duas laterais onde estavam sentados três adolescentes esperando a vez nas duas cadeiras ocupadas também por dois adolescentes. 

Pô… que fila. Preciso tirar essa barba.

Falei com o máximo de espontaneidade que consegui. 

E o dono do salão, que fiquei sabendo no final da visita, tinha 15 anos, me disse com uma voz cheio de malemolência: Então veio no lugar certo mermão. Se achegue que já já vou resolver seu problema. Ele fez um gesto com a cabeça para o menino que estava mais perto da porta e o menino então disse: Vou passar minha vez pro senhor enquanto eu vou na casa do meu pai levar um troço pra ele.

Opa, fui o que consegui dizer.

Ele me esticou o braço e me cumprimentou com a mão direita batendo os dedos, o que respondi intuitivamente. 

O freguês que estava na cadeira n° 2, onde o barbeiro também era adolescente, se levantou em seguida. Ele tinha tipo uma toca na cabeça e ficaria 20 minutos com ela. Percebi que a toca tinha um fio elétrico conectado a uma tomada na parede.

Tirar minha barba foi coisa de menos de 5 minutos. Que alívio!

Os meninos, ouvindo a conversa eu entendi, jogam no time do Paraty e no dia seguinte, sábado, fariam um jogo importante. Tava lá um zagueiro, um volante, um meia, um lateral e um centroavante, o mais tímido. Me atrevi a lhe dar dicas: Não passe a bola, finalize. Tenha coragem e mate o jogo. E, ainda, chute no gol, mesmo que fraco. Não adianta chutar forte e pra fora. Acerte o gol sempre.

O barbeiro, com sua malemolência, falou: Ouve o cara. Ele sabe o que está falando. 

Nesta hora percebi que havia alguma confusão. Como o moleque podia saber o que eu estava dizendo! 

Nesta hora o barbeiro parou tudo porque havia chegado o almoço dele, um tuperware que a mãe havia mandado. Ele abriu e reclamou. Ela tá botando metade de comida. Ela diz que estou gordo. Era só uma interjeição, mas respondi mesmo assim: Tá mesmo. A molecada caiu na gargalhada. Então ele respondeu: Qualé, Luizão. Tá me zoando…

Luizão! Que Luizão?

Tu não é o Luizão? 

Expliquei que não. E que tava na Flip. Que porra é essa de Flip? A festa literária ali no centro histórico. Um dos moleques disse que tinha visto muito bacana lá mesmo. 

Porra, achei que você tivesse sido aquele jogador, disse o moleque. Você é escritor?

Eu não tive tempo de responder porque entrou outro moleque na sala. Se vangloriando que havia ganhado 350 reais na aposta Bet de um jogo num lugar estranho. Todos cumprimentaram ele com orgulho de sua feita. 

Cumprimentei o cara também e paguei no Pix, 35 reais, na conta de uma mulher. É minha mãe, não tenho conta em banco ainda, me explicou o barbeiro.

Valeu, valeu, valeu… Bati na mão de meus brothers e voltei aos livros. De cara limpa. Sem o incômodo da coceira.

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