Paralelepípedo que nada

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Pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico.

Esta palavra, registrada em 2001 pelo dicionário Houaiss, de 46 letras, e que descreve o indivíduo que possui doença pulmonar causada pela inspiração de cinzas vulcânicas, é a mais comprida da língua portuguesa. 

Não fazia ideia de que ela existisse. Quem me apresentou foi a minha neta mais velha, me fazendo uma pergunta que, quando eu também tinha 9 anos, já fazíamos na escola: Qual é a palavra mais comprida que você conhece? 

Eu, na lata, disse: Paralelepípedo.

Ela riu. Não é mais nonno. E soltou, então, pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico.

Ela falou tão rápido que lhe pedi para dizer mais devagar. Não dá, eu engasgo, me disse. Eu também só conseguia dizer Paralelepípedo rapidamente. Pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico, nem rapidamente. 

O que não é mais o que já foi? Que mudanças ocorreram nessas últimas décadas? 

Estou me perguntando outras coisas que mudaram e o jornalismo é seguramente uma delas. Há tempos deixou de ser o exercício diário do caráter e inteligência, como escreveu Cláudio Abramo e está em seu livro “A Regra do Jogo”, vamos dizer assim, a Bíblia dos jornalistas de minha geração. Hoje, o jornalista foi reduzido a um reprodutor das vozes com poder de fala, pouco importa se na esfera política, social, cultural, esportiva, econômica… Foi assim nos anos bolsonaristas. Segue nestes primeiros cem dias lulistas.

Na medicina, igualmente. Dia desses uma amiga foi a um Pronto Socorro particular, usando seu plano de saúde, o que paga caro, mensalmente. A médica plantonista não aparentava ter 20 anos. Não arriscou a fazer um diagnóstico, mas deu um leque de possibilidades que foi da Dengue à Covid e, claro, passando por uma simples virose. Então pediu exames e lhe deu quatro dias de repouso, longe do ambiente de trabalho. Minha mãe, sem exames, nos curava com sua canja de frango, arroz, legumes e ovo cru quando se desligava o fogo. Mudou. Só isso. Não há julgamento de valor.

Na escola, com medo dos malucos que andam matando alunos e professores, as grades deram lugar à segurança armada… Mudou, fato. 

Mas algumas coisas continuam iguais e, seguramente, a principal delas é o amor dos avós pelos netos. Me lembro da minha mãe me contando do meu nonno (o pai do meu pai, pois o pai dela já havia morrido quando eu nasci) brincando comigo. Não me lembro dele, nem dessas brincadeiras. Mas não me esqueço do que me recordava minha mãe.

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