Penúltimo tempo

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O tempo atual é o dos algoritmos e toda a manipulação existente na IA (Inteligência Artificial) para colocar à disposição do navegante (ser humano) das redes sociais o que aqui vou me limitar a chamar de conteúdo. 

Eu fico horrorizado com o fato de 99% dos navegantes não postarem nada (o que não significa que não vejam o que foi postado, ver é diferente de ler). 95%, quando se arrisca, posta algo que alguém fez em imagem, mesmo que seja texto. Restam 5% de pessoas escrevendo. Talvez menos. 

Uma dessas pessoas que escrevem é Tom Cardoso. E ele escreve bem. Tem humor. É o que vou chamar aqui de cronista da era digital. E ao ler seus textos fui ver quem ele era e vi que ele é autor de vários livros, muitos editados por ele próprio.

Quis comprar um de seus livros, a melhor forma de agradar um autor e, claro, alimentar a empresa “Tom Cardoso”. O mais engraçado é que Tom Cardoso além de escrever, editar e distribuir seus livros, ele também é a atendente no SAC (Serviço de Atendimento ao Cliente) e por sugestão dele, eu havia escolhido outro título, levei o que passarei a falar em seguida. “Esse que você escolheu não é tão bom quanto este que te indico”, ele me disse. Duvido que ele tenha se enganado. 

O livro é a biografia “Tarso de Castro – 75kg de puro músculo e fúria” e já me adianto dizendo que fiquei muito satisfeito enquanto leitor, cidadão e jornalista pela indicação do SAC.

Nas primeiras páginas a paixão de Tom Cardoso por seu biografado me incomodou. Mas sua verve é boa, a história do biografado fascinante e a edição em capítulos curtos impediram que eu abandonasse a leitura. Ainda bem!

O livro é o retrato do penúltimo momento da imprensa no Brasil. É uma aula sobre a história jornalística brasileira no período dos anos 60 aos 80. É uma visão sobre o golpe militar de 1964 a partir de um personagem quase nunca citado nos livros de História ou Jornalismo. Mas sobretudo um retrato do momento em que o jornalismo era mais do que um negócio e conduzido por jornalistas. Era uma época em que o talento era importante. Ser bom fazia toda a diferença. 

Entre o momento atual, dos algoritmos, e o retratado na biografia de Tom Cardoso sobre Tarso de Castro há o jornalismo que perdurou dos anos 90 até 2000 e teve início em 1984 com o chamado Projeto Folha. 

Fazendo uma analogia com o futebol, o Projeto Folha, que dominou toda a imprensa, deixou o talento em segundo plano e passou a valorizar o esquema tático. Não importa quem joga, importa que quem jogue cumpra o que o técnico mandou. O técnico é a grande “estrela”. No caso dos jornais, o dono é quem importa, não o jornalista. 

As páginas de “Tarso de Castro – 75 kg de puro músculo e fúria”, nesse sentido, nos jogam na cara de como pudemos (leitores e cidadãos) aceitar tão bovinamente essa desastrosa mudança cujo a pior consequência é a que vemos cotidianamente nos apoiadores do último ex-presidente.

O livro causa estranhamentos. A mim causou. O principal deles é ver Chico Buarque, Caetano Veloso, Tom Jobim, Roberto Carlos, Luiz Fernando Veríssimo, Cláudio Abramo, Millôr, Henfil, Ziraldo, Glauber Rocha, Matinas Suzuki Jr., José Trajano, Paulo Francis e tantos e tantos outros como mero coadjuvantes de um dos mais fervorosos momentos da história política do Brasil. Em qualquer outro livro, todos são protagonistas. Mas diante de Tarso, não.  E Tom Cardoso, só por isso, merece todo reconhecimento por sua obra.

Leonel Brizola, por sua vez, é tão protagonista quanto Tarso e, arrisco a dizer, ajudou e muito, pelo que Tom Cardoso retrata no livro, a “justificar” o golpe militar. Havia o elemento externo, evidentemente, mas no livro o que se lê é que as ações de Brizola no mínimo ajudaram na justificativa do golpe e da mobilização da “famosa” marcha da família ocorrida em São Paulo. 

“Tarso de Castro – 75 kg de puro músculo e fúria” foi lançado em 2005. E nestes 18 anos ele amadureceu e ficou ainda mais importante para se entender o jornalismo que existiu um dia, cheio de energia, feito com paixão, e a burocracia dominada pela máquina de algoritmos dos dias de hoje.

Claro que como boa biografia que é, o livro conta onde Tarso nasceu (Passo Fundo-RS), como começou na profissão até chegar ao Rio de Janeiro e fundar o lendário Pasquim, como parou em São Paulo e revolucionar a Ilustrada e o Folhetim, como começou a beber diariamente aos 13 anos, a usar cocaína e tomar seu último gole aos 49 anos no leito de morte. Tem lá também a lista de mulheres que ele comeu. Tem escancarado um Brasil movido a Bossa Nova, Jovem Guarda, Tropicália de dar inveja a quem, como eu, ouço, no domingo que escrevo este texto, um rap de quinta categoria saindo do carro do lado no semáforo, o agronejo na loja e na TV, no intervalo do jogo, o comercial da cerveja mostra quatro “artistas”, achei que tinha reconhecido um, o Arlindo Cruz e pensei: Ele sarou. Não era ele. Era outro tão grande quanto.

“Tarso de Castro – 75 kg de puro músculo e fúria” é leitura indispensável!

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