Nem a fuga do ex-presidente para Orlando, curiosamente a cidade da Disneylândia; nem a posse de Lula para o seu terceiro mandato foram suficientes para tirar da porta dos quartéis do exército, Brasil afora, membros do bolsonarismo.
Até a subida da rampa e a colocação da faixa, fatos ocorridos no domingo, uma parcela significativa de eleitores do ex-presidente afirmava categoricamente que tais ritos simbólicos da assunção ao poder de Lula não aconteceria. Aconteceu.
Um desses eleitores, cheio de interesses particulares e pessoais, elucubrou um atentado terrorista cujo o ápice deixaria Brasília em estado de sítio. Foi descoberto a tempo de tais intenções não se concretizarem. E, preso.
O ex-presidente… o que dizer… fugiu não para o resort cafona, mas para a casa de um ex-lutador de MMA sem tirar dessas pessoas a esperança de que algo contra a democracia aconteceria. Ao contrário, as alimenta com mentiras tão infantis, como a de que a faixa presidencial vestida por Lula teria sido comprada numa loja de roupas de fantasia…
O que explica?
O que se viu nos últimos quatro anos, sob o signo do que se convencionou chamar de bolsonarismo, foram pessoas abrindo mão da sua individualidade em nome da crença que simplificou a vida deles, fazendo com que uma soubesse o que a outra espera dela. A luta contra o “comunismo”, e as derivações que nasceram daí, foi só um pretexto. O que move essas pessoas é o agir juntas, é o conforto da causa, é viver para domar o que seja ameaça à organização na qual estão se sentindo úteis, enfim, onde a vida, para elas, ganhou um sentido.
Há um valor, para essa gente afetada pelo bolsonarismo, em pertencer ao grupo e lutar por sua preservação, o que significa combater o outro grupo, no caso atual de Lula, lulismo e petistas.
Os petistas, as pessoas que professam fé em alguma religião, os torcedores organizados de times de futebol, os membros de clube de esportes, leitura, física quântica…, os frequentadores assíduos de um boteco… enfim, os membros de grupos também têm esse sentimento de pertencimento, de ver um sentido à própria vida apenas por ver outros iguais a ele. É confortável e acolhedora essa sensação.
O que muda quanto ao bolsonarismo, então? Eles negam a democracia e atacam as instituições que fazem a mediação social. O que não é pouco. Isso os transforma em “diferentes”, vou chamar assim.
O que fazer?
A vida em sociedade tem regras claras de punição a quem ofende, não respeita, faz do seu jeito… Primeiramente, sofre a acusação de um crime, depois é julgado e se for o caso é punido. É o que se imagina que vá acontecer.
Mas para trazer de volta essa gente de volta à normalidade, entendo, ser necessário um mergulho na própria individualidade. Não vejo outro caminho. A possibilidade de um passo em direção a si para encontrar o verdadeiro sentido de existir, fugindo dessa organização mítica, dessa seita fundada no fanatismo do bolsonarismo, permitirá um retorno ao convívio social.
Um mergulho em si é caótico, desconfortável, assustador, mas é o mais próximo da verdade que existe. Lutar pelo grupo, com a aniquilação de si, é fantasioso, além de suicida. Não me parece que apenas a aplicação da letra fria da lei será suficiente para recuperar essa gente. E esse mergulho, sozinho, é quase impossível, pois ele exige conhecimento e amparo.