Por que vale a pena assistir “Dois Papas”?

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Já havia desistido de escrever sobre “Dois Papas” (filme lançado no dia 5 de dezembro de 2019, dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles, ganhador do Prêmio Globo de Ouro de Melhor Roteiro de Cinema), mas uma inesperada circunstância me fez mudar de ideia.

No último domingo, num dos grupos de whattsapp do qual faço parte, um amigo carioca, torcedor do Botafogo, atormentava palmeirenses e são-paulinos durante o jogo que passava ao vivo pela segunda rodada do Campeonato Paulista.

Num dado momento resolvi esculachar a brincadeira: Você não entende nada de política (ele não só votou, como continua ferrenho defensor de Bolsonaro) e nem de futebol… então vamos falar de religião, quem sabe você dê uma dentro: Já viu Dois Papas?

E ele disse: Já vi, e amei. Filme maravilhoso. Realmente um grande filme. Lembra a peça do século “Ceia dos Cardeais” de 1902. Os diálogos são maravilhosos.

Está vendo, a fé nos une no amor, eu lhe disse.

E nesse momento da conversa, um outro amigo entrou no papo: “Dois Papas” é uma mentira deslavada. Nem Bergoglio é aquilo e muito menos o Ratzinger. É somente uma interpretação de dois bons atores. Um filme comercial como os que o Fernando Meirelles faz.

Então, argumentei. Vejo três mentiras no filme – 1ª o ator Anthony Hopkins torna Ratzinger mais palatável; 2ª A relação de Ratzinger e Bergoglogio nunca foi fraternal como mostra o filme; 3ª E não há a harmonia da eleição e confissões deles – que revelam uma verdade: a liderança religiosa na organização do Catolicismo que mantém viva a fé de quase 2 bilhões no mundo, alimentando em cada um deles a vontade diária de sair da cama.

E avancei: Não deixe a ranzinzisse impedir de ver isso. O filme exala amor, dedicação. Se permita desfrutar do que simplesmente é a fé católica e o filme delicadamente conta. A verdade cristã está no filme e não importa a ficção usada para contá-la.

E meu amigo contra argumentou: Pois é, um filme comercial, que não enfrenta as posições de cada um dos papas e nem os grandes dilemas do catolicismo como o celibato.

Tivesse enfrentado tais questões e aí seria outro filme, eu disse. Mas concordo num ponto com meu amigo, quando ele diz que “Dois Papas” é um filme comercial. Há um marketing (promoções de propaganda que geram valor ao produto filme) planejado – portanto não espontâneo – afim de despertar o interesse das pessoas em torno do filme que é usado apenas nos chamados blockbuster, filmes de franquia, formulados, que são garantia de agradar a um tipo massivo de público.

Mas esse marketing não faz de “Dois Papas” um filme ruim. Ao contrário. Ajuda pessoas que dificilmente iriam assití-lo a se interessar em vê-lo.

Voltando ao conteúdo da histório, que é o que irritou meu amigo, “Dois Papas”, muito de leve, toca nos aspectos centrais das histórias dos cardeais Joseph Aloisius Ratzinger, que se tornou o Papa Bento 16 e hoje é Papa Emérito, e Jorge Mario Bergoglio, que se tornou o Papa Francisco e cumpre o papado atualmente.

Ratzinger fechou os olhos à questão da pedofilia dos padres, bispos e arcebispos mundo afora. Pensando mais na organização, na instituição, nos poderes do grupo do que no sofrimento das vítimas dos monstros de batina. Ratzinger fechou os olhos às pessoas que tiveram seu futuro roubado em nome de uma libertinagem, de uma doença que a igreja se recusou a enfrentar sob o comando de Ratzinger.

Bergoglio, por sua vez, revela a ambiguidade de seu comportamento durante o ferrenho regime militar argentino, suas concessões, seu dúbio comportamento. Em nome de proteger a ordem jesuíta permitiu que desmandos ocorressem de modo a levar seus pares à tortura e à morte. De um deles, e o filme mostra isso, ele nunca recebeu o perdão.

Independentemente da fé, vale a pena assistir “Dois Papas” pelas grandes atuações de seus protagonistas Jonathan Pryce como Papa Francisco e Hopkins como Bento 16. O duelo verbal, na forma como se desenvolve, dá um tom verossímil possível à persona pública conhecida de ambos a ponto de muitos acharem que o filme poderia ser um documentário e não uma ficção. A fotografia e a música também contribuem, e muito, para fazer do filme um entretenimento obrigatório.

Ah, e se você, como eu, gosta de futebol, há um momento hilariante, quando o Papa Francisco usa a religião para explicar a emoção do jogo coletivo no esporte ao frio Bento 16 que não entende tamanho frenesi diante de uma partida, nem mesmo num jogo final de uma Copa do Mundo.

Na imagem que ilustra esta postagem esta a capa do livro do qual foi adaptado o roteiro do filme. Em ambos os casos, o autor é o mesmo.

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