Achei que faria amanhã o mesmo calorão dos últimos dias o que iria desfazer minha certeza de que faz frio no dia 7 de setembro.
Eu sei disso porque desde muito criança vou na escola. Acho que entrei no parquinho aos 3 anos, no máximo 4. Depois veio o primário e ginásio (atualmente Ensino Fundamental), dos 7 aos 14 anos, e anualmente participei do Desfile do Dia da Pátria, então, passava frio. Por isso me lembro.
No Ensino Médio, que fiz à noite enquanto fazia o Senai durante o dia, dos 14 aos 16 anos, já não participava dos desfiles.
Minha primeira lembrança de desfile é também minha primeira lembrança do sentimento de inveja. Um sentimento incontrolável. Que chega a causar sensação física. Que provoca vergonha. Que faz o sentimento de se sentir menor chegar ao nível da inconsciência saindo das trevas interiores.
Foi na última semana de ensaio para os desfiles que isso ocorreu. Eu podia ter 5 ou 6 anos. Era o Parquinho da Vila Santana, do oulado da calçada do Pastifício Campanini. Estávamos nós, as crianças, alinhadas e então a tia colocou os gêmeos à nossa frente. Eles estavam vestidos de astronautas. Com capacete e farda. Era o máximo aquele traje. Me lembro de ter gritado: Eu quero. Quero uma roupa dessa. Quero estar ali. Algo um tanto histérico, pelo que lembro. A tia me pegou pelo braço e me levou ao meu posto, no fim do pelotão: Seu lugar é aqui. Aquele olhar de ódio que as tias do Parquinho sabem muito bem fazer.
Olhando hoje para trás, essa fala, “seu lugar é aqui”, na insignificância, sendo mais um, sem destaque, marcou minha existência.
Em casa, minha mãe não entendia o que eu queria. Não sabia da farda. Me lembro de ter visto a foto dos gêmeos, fardados, e a do pelotão, de chapéuzinho feito de cartolina. Mas não achei em minhas coisas.
Outra lembrança, de desfile de 7 de Setembro, também nada glamourosa, aconteceu quando eu tinha 11 anos, estava na 6° série. Era o ano de 1978, mas poderia ser 79 ou até 80. Na Escola Professor Genésio Machado. Eu era da zabumba, aquele tamborzão que ficava na vertical, grudado no peito. Era na primeira fila da fanfarra. Um instrumento, diria, insignificante. É um pum. Outro pum. Nada glamouroso. Mas o Paulo Sérgio, que tinha praticamente a nossa idade, nosso instrutor, resolveu inovar e eu fazia o meu pum com o braço direito batendo no lado esquerdo da zambumba e vice-versa. Era um malabarismo e tanto. No dia do desfile, no bairro de Santa Rosália, na frente da 14° CSM, sede local do exército, onde as autoridades ficam no palanque, nossa escola parou. E nós, da fanfarra, fazíamos nossa performance. Pois bem, quando minha baqueta direita voltou após seu pum do lado esquerdo da zabumba ela voou ao palanque e aterrissou na barriga de Theodoro Mendes, simplesmente o prefeito da época. Passado o bafafá de meu vexame, o instrutor disse que nunca tinha visto arrebentar a cordinha da baqueta. Eu disse que não havia arrebentado, mas a baqueta havia escapado de meus dedos. Foi o fim de minha “carreira” de instrumentista e, também, de membro da fanfarra. No ano seguinte, estava no “meu lugar”, passando frio, no fim do pelotão, respondendo as provocações dos colegas que perguntavam: Não toca mais zabumba? E riam…