Quando começou o ano letivo de 1978, eu tinha 9 anos e iniciava a 4° série na EE Professor Genésio Machado, tive uma das maiores lições de minha vida, que me acompanha ainda hoje, cujo o aprendizado foi única e exclusivamente resultado de minha observação: Havia um homem na sala de aula. Não uma mulher. Não uma professora, portanto. Mas um professor.
Havia pelo menos cinco anos que eu saia de casa para ir à escola, o que fiz desde os 4 anos. Me lembro claramente da “tia” Lígia no parquinho (assim era chamada a escola) da quadra do San Remo, bem em frente do Pastifício Campanini. Me lembro da professora Terezinha Rocha, na 1° série; da dona Cenira, da 2°; da dona Claudete da 3° e quando esperava para conhecer a professora da 4° lá estava o seo Cláudio.
Ele tinha como missão fazer a passagem daqueles alunos para a 5° série. Sim, naquele momento, ir da quarta para a quinta série era um acontecimento. Era deixar de lado a infantilidade da infância e entender que se estava virando gente grande, ou seja, as responsabilidades estavam aumentando. Era um indicativo de que até ali fomos cuidados e que seria necessário cuidar de nós mesmos a partir de então.
Claro que nada era dito ou racionalizado dessa forma. Aliás, nada era falado com palavras naquele período, o da ditadura militar. Naqueles anos, uma coisa todos aprenderam rapidamente: Quanto menos se falava, maior a chance de não ser incomodado.
Meus pais estudaram até a 4° série. Isto era, por si só, o indicativo de minha responsabilidade em concluir bem esse ano escolar e iniciar o ciclo novo da 5° até a 8°.
Me dava um frio na barriga crescer. Será que eu vou conseguir? Essa pergunta me atormentava e, ao mesmo tempo, me impulsionava pois não havia a menor possibilidade do contrário. Pois o contrário seria decepcionar meus pais. Nada era mais assustador do que isso. A vida se resumia a ter a aprovação do meu pai e minha mãe. Na prática significava somente passar de ano, naquele momento. Ano-ano e ano-escolar.
A presença do seo Cláudio naquela quarta série, sim somente o fato de ser um homem e não uma mulher, teve impacto no que me tornei. Sua presença, sua simples existência diariamente na sala de aula, bagunçou a ordem. Aprendi que não existe coisa de mulher e de homem. Que qualquer coisa é para mulher e homem. O sexo, biológico ou não, não é determinante para o que se deseja fazer e ser. Aliás, pouco importa.
Aprendi com o seo Cláudio que as pessoas são iguais, mas cada uma carrega suas peculiaridades. Então, no nosso livro de Estudos Sociais, havia o mapa do Brasil e com ele seus Estados e em cada Estados suas características. Me lembro de ter dançado frevo, usando a sombrinha de alguém, na frente da classe, quando se falava do quanto esse ritmo era importante ao pernambucano. Do samba. Do terreiro…
Como assim? Não era pecado o samba, o frevo, a dança e o batuque? Não. Assim como havia a missa e a crença da tradição judaico-cristã, havia a dos povos de origem africana. Seo Cláudio desatou nós e amarras de minha geração. Fez um belíssimo trabalho de passagem. Ele rompeu conceitos sem fazer estardalhaço. Sem assustar o regime.
Quando fui professor, além do “conteúdo” da disciplina, sempre me preocupei em ser um professor que desatasse nós. Que ajudasse meus alunos a serem quem quisessem ser. Acho que consegui. Há tantos anos longe da sala de aula, há umas semanas recebi a seguinte mensagem: Ahhhh meu professor preferido!!!! Obrigada pela lembrança. Era a resposta de uma aluna ao meu desejo de feliz aniversário que havia lhe enviado.
Viva seo Cláudio e em nome dele todos os professores e professoras que passaram em minha vida e eu na deles.