Quadragésima

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Conheço quem ache o Carnaval a data festiva mais importante do ano. Para outros é o Natal. Há os que preferem o Ano Novo, Dia dos Namorados, o próprio aniversário…

Para os católicos, os cristãos de tradição judaica, é a Páscoa, o período da passagem, da renovação, do recomeçar, da ressurreição. Esta é a data fundamental, é o domingo quando Jesus Cristo, depois de crucificado, surpreende os fiéis ao sair de sua catacumba.

Em contagem regressiva, a Páscoa começa hoje, Quarta-feira de Cinzas, Quarta-feira de Carnaval. De hoje até a Quadragésima (que significa 40 dias em Latim) os cristãos fazem sacrifício, penitência, jejum, evitando festas, entusiasmos, celebrações.

A Quaresma serve para a lembrança do período que Jesus Cristo passou no deserto, refletindo sobre suas convicções e fé, principalmente exercendo sua inteligência ao debater com o diabo ao menos em três situações quando ele se viu tentado a abandonar o seu projeto de igreja para aproveitar o privilégio que estava ao seu alcance simplesmente por ser o filho de Deus.

Isso faz sentido nos dias de hoje?

Eu cresci envolvido nessa realidade. E quando chega a Quadragésima me vejo tomado por uma melancolia própria da força que este tema tem sobre mim.

Até meus 17 anos, quando deixei de morar na casa dos meus pais, estava no meio desse clima de penitência. Não havia radicalismos, mas o sentido histórico, religioso, moral, de fé e, principalmente, estético sempre estavam presentes. Na sala havia um quadro com a pintura da imagem de Jesus Cristo e seu coração, em sangue, exposto, cravado de espinhos. E havia um outro de Nossa Senhora e sua compaixão. Não havia como ignorar essa temática. Não havia vitrola, o rádio era para jogo de futebol e a TV podia ser ligada em volume baixo. A comida era de mesma abundância, mas sem carne vermelha (meu pai era açougueiro) nas sextas-feiras. Não havia flores nos vasos (que minha mãe trocava todo sábado). Não havia porta aberta, como ficava ao longo de todo ano. Vivíamos em contrição.

Éramos, especialmente meus pais, presos aos dogmas. Não havia conversa sobre o significado da Quaresma. Nem a respeito de que fazer o sacrifício (não comer doce, no meu caso de criança) seria meu modo de reconhecer o que Cristo havia feito por mim (no caso a humanidade). Não havia o tratamento de Cristo como o ser humano de carne e osso que faz parte da história da humanidade. Apenas se tratava da divindade. Não era abordado nenhum aspecto do mundo terreno. Cristo e Deus estavam no mesmo patamar de vigilância sobre cada um de nós. Pronto para nos punir, caso não fossemos ao padre, no meu caso aos freis de Santa Rita, confessar os erros e receber a absolvição, depois de um punhado de Pais Nossos e Aves Marias. 

Faz sentido tudo isso que Cristo fez?

A história da humanidade, seguramente, teria sido outra sem o movimento de poder e força que construiu o império que dividiu o mundo em a.C. e d.C. Império este que foi se desmembrando, primeiramente em Protestantes até se chegar nas Evangélicas que ocupam pequenas portas nas mais escuras e distantes ruas das periferias de qualquer cidade. 

Não dá para dizer que melhor ou pior, apenas que seria outra história. Não dá para saber se os deuses africanos, indianos, tibetanos, chineses, japoneses teriam sido dominantes. Ou se muçulmanos e o Alcorão teriam o domínio sobre a fé ocidental. Ou se o judaísmo teria prevalecido.  O fato é que a escolha que cada um faz nos dias de hoje, em ver sentido em Jesus Cristo, no que ele fez, e respeitar e praticar os ensinamentos da Igreja na Quaresma e Páscoa é o que manterá em pé o poder da Igreja. Sem respeito, compreensão e prática de reflexão e sacrifício estará aberto o caminho para uma outra sociedade. Provavelmente, no meu entendimento, muito pior pelo que se viu e ainda vê com os milhões de brasileiros adoradores de falso mito.

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