Vendo fotos banais do cotidiano do presidente eleito Jair Bolsonaro, me veio à memória um dos filmes que mais me impressionou quando eu era apenas um jovem estudante, em 1985: “Muito Além do Jardim”. Nele, um homem solitário que entendia apenas de plantas e jardinagem, e tinha passado sua vida vendo TV, foi atropelado por um magnata e para evitar escândalo, já que sofreu leves ferimentos, foi levado para dentro da casa e convívio dos poderosos. Ali, em conversas, quando alguém lhe falava algo importante (ele chega a conversar com o presidente do país), um conflito mundial, por exemplo, ele respondia sobre técnicas de jardinagem ou, sem saber o que falar, ficava em silêncio. Em pouco tempo se entendia que ele falava em metáforas sobre o que o presidente lhe confidenciava. Mas ele falava só sobre plantas, mesmo. Mesmo assim, era interpretado como um gênio. O filme é uma adaptação do livro “O Vidiota” e das raras vezes em que um filme fica melhor do que o livro do qual foi adaptado.
Vendo as mesmas fotos banais do presidente eleito, estendendo a roupa no varal (aqui reproduzida nesta postagem) ou sentado no chão perto do mar, me veio à memória o programa Fantástico, o mesmo das noites de domingo, anunciando ao Brasil, em rede nacional, o que o então presidente Collor estampava em sua camiseta fazendo algo do seu cotidiano como jogging (ele adorava usar o termo em inglês para suas corridas) ou usando algum carro esportivo que atraia os olhos de quem apenas usava carroça (quem acompanhou o pífio governo Collor, sabe o que isso quer dizer). O fim dessa história é de conhecimento público.
Vendo a reação de Carlos, um dos três filhos de Bolsonaro e o mais antenado com as técnicas de comunicação de massa, quando afirma que a grande imprensa está problematizando as fotos estampadas de seu pai em seu cotidiano na plataforma Twitter (a camiseta era a plataforma de Collor, frise-se) – Carlos afirma: “Sempre foi assim! Tentam a todo custo desconstruí-lo como se tivesse forçando uma imagem! Digo tranquilamente: ou vivem numa bolha ou são simplesmente canalhas!” – minha tendência é pensar o mesmo de Carlos, ou ele acha que inventou a forma como seu pai se comunica, e como um absoluto ignorante vive numa bolha, ou ele é simplesmente o canalha a que se refere.
Para os seguidores de Bolsonaro (e não são poucos), muitos leitores deste blog, sugiro a leitura de “As técnicas da fabricação política de Fernando Collor” dos autores Ricardo Costa e Tailson Pires Costa no livro “Técnicas de persuasão na propaganda eleitoral. São Paulo”, Fiúza Editores, 2004.
Selecionei três trechos:
- “O presidente (Collor de Mello) se tornou um marketing em
si mesmo à medida que suas formas de conquistar a mídia iam
criando interesse cada vez maior e quaisquer das suas atitudes e
movimentações eram amplamente publicadas, como, já investido
do cargo de presidente, o uso de camisetas sociopromocionais,
que eram produto de uma agência publicitária”.
- “Na linguagem publicitária, que utiliza a persuasão e a sedução,
tem-se a representação das coisas com base no que o público conhece,
gosta, sonha etc., ou seja, um produto é feito para satisfazer
as necessidades e completar os anseios do consumidor.
As qualidades simbólicas é que vão
associar o produto ao consumo”.
- “O marketing eleitoral não pode preencher
lacunas políticas com a fabricação de candidatos
que não atendam à expectativa geral que só poderá
ser confirmada com a sua prática política”.
Em tempo: sou daqueles brasileiros que desejam o melhor para o governo Bolsonaro, pois assim quem vai se dar bem é o Brasil, onde me incluo. Collor imitou Ronald Reagan (que além das técnicas de persuasão, tinha um plano de governo). Bolsonaro imita o Pato Donald (cujo o governo, e os dados econômicos demonstram neste final de ano, tem as técnicas de comunicação para persuadir, colhe os frutos plantados pelo seu antecessor, mas deixará para daqui dois anos uma grave crise na economia dos Estados Unidos). Porém, ao contrário de Collor – e vou citar Jânio Quadros e Getúlio Vargas, que igualmente abusaram das técnicas de comunicação para governar – Bolsonaro me parece apenas uma personagem de uma estrutura complexa (e ainda misteriosa) que pouco aparece e quase nada sabemos dela. O pouco que sabemos é demonstrado pelo General Mourão. Neste personagem, provavelmente, esteja o pilar do governo que se aproxima.