Sanduíche de pastrami

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Na noite de sexta-feira, quando faltava menos de uma hora para o mercado fechar, horário da ansiedade de quem está há nove, dez horas na empresa entre trabalho e pausas, eu cheguei ao balcão de frios. A atendente, na faixa de 30 e poucos anos, fatiava presunto. Quando acabou, falou alto para uma senhora que estava fora da fila: Vai pastrami, também? E ela assentiu com um leve movimento de cabeça, dizendo sim. 150? Perguntou a atendente. E novamente o movimento da cabeça. Eu estava no mesmo lugar, plantado na frente do balcão com a balança na minha frente. 

Me animei quando vi que o quilo do pastrami estava 59,90 e não tive dúvida em pedir o mesmo. A atendente nem mexeu na peça da máquina e, para minha surpresa, ao pôr o produto na balança ela digitou um código novo no sentido de ser diferente da pesagem anterior. E qual minha surpresa? O preço. Da freguesa anterior ela cobrou 59,90 e de mim 231,90, o preço do quilo do mesmo pastrami.

O olhar da atendente, cínico e desafiador, desafiava o meu. Houve um hiato. Silêncio. Eu não reagi. E não esboçava reação. Então ela foi taxativa: Mais alguma coisa? Então percebi que ela falava comigo, mas seu olhar estava desviado de mim. E me virei. E vi um homem, na faixa dos 70 anos, que acompanhava a freguesa anterior a mim, a beneficiada com o preço menor do pastrami, atento ao que acontecia entre a atendente e eu. Ele vigiava. Estava tenso tanto quanto a atendente e eu. Esperava por um desfecho. E só eu poderia dar.

Poderia ter protestado, dizendo que queria o quilo do meu pastrami ao mesmo preço da freguesa anterior. Sim, poderia. Até deveria. Mas a firmeza do olhar da atendente não era mais o mesmo. Seus olhos encheram d’água como se fosse chorar. Se eu estendesse aquele instante por mais um minuto, certamente, aquele “mal-entendido” se desdobraria. Então me fiz de desentendido. Pedi o habitual presunto e muçarela de sempre. Os três pacotes estavam prontos sobre o balcão e eu peguei apenas dois. Deixei o pastrami e saí sem dar o boa noite habitual. A atendente não se atreveu a dizer o de praxe: Senhor, o seu pacote. Alô, o senhor esqueceu seu pastrami aqui. Fomos cúmplices de uma situação. 

Mas qual?

Segui rodando pelas gôndolas do mercado e avistei a freguesa anterior a mim esperando na fila do caixa de autoatendimento embora o caixa de idoso estivesse livre. No autoatendimento o risco de alguém checar o produto é quase nulo. Uma senhora de aparência como a atendente do balcão de frios. Altiva. De turbante. Líder. Vi que tinha vários pacotes de frios em seu carrinho. E vi que o homem que me observava no balcão já estava do lado de fora do mercado, esperando a mulher de turbante.

A atendente morava no mesmo bairro da mulher e era coagida a “errar” os códigos dos frios para beneficiá-la, pensei eu num momento. Num outro, pensei, a atendente é filha da mulher. Depois pensei: porque arriscar seu emprego por tão pouco? Seria um modo de fazer justiça social pelas próprias mãos? Não é qualquer pessoa que compra gramas de frios ao preço de 231,99 o quilo.

Eu, se pudesse, comeria pastrami no lugar de presunto. Tony Soprano, o chefe mafioso de New Jersey, na aclamada série da HBO, comia. Os italianos e espanhóis em geral comem. Pastrami é uma carne de boi defumada, carne de primeira, tipo contrafilé, alcatra, maminha. Numa ciabatta com queijo, tomate, rúcula e maionese caseira se transforma no melhor sanduíche de uma tarde quente.

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