Sem controle 

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A pandemia, que tanto transtorno causou ao confinar as pessoas e impor drasticamente mudanças comportamentais, culturais e ideológicas, logo teve sua lógica compreendida. Havia um controle sobre a situação. Bastava evitar estar suscetível ao vírus  (tapando a boca, o nariz, os olhos, as mãos), não estando perto de ninguém, se limpando com álcool em gel… que não se contaminaria pelo Sars Covid-19. Muitos caíram na falácia de tomar vermífugo, inclusive pessoas com um nível intelectual mais elevado, acreditando em liderança que atendia a interesses nada republicanos, e morreram sufocadas mesmo em máquinas de UTI.

A gripe é outro vírus que está por aí. A gripe é parte da vida de toda geração nascida nos anos 60. De uns anos para cá seu nome mudou e vem sendo tratada pelo nome do seu vírus, o Influenza. São quatro variantes. Tirando as pessoas de baixíssimo nível de conhecimento, que acreditam que a vacina da gripe foi o modo do governo matar os velhinhos com o objetivo de aliviar a folha de pagamento do INSS, são raras as pessoas que temem tomar a Vacina contra a Gripe. Tomam e se protegem.

Ao tomar a vacina contra a Influenza, contra a Covid, o sujeito assume o controle sobre a situação externa a ele, a dele vir a ser atacado por esses vírus. Assim é o que acontece com todas as outras vacinas. Além da proteção efetiva, a vacina é um instrumento de proteção emocional. É a capacidade de se sentir no controle. O que, convenhamos, dá um bem-estar danado.

Mas e o vírus da dengue? 

Sábado eu cheguei no balcão de um comércio do qual sou freguês e me acostumei com a calorosa recepção que recebo das duas meninas, aposto que não têm 20 anos ainda, e apenas uma estava lá. Minha primeira reação foi: Cadê a Larissa, você deu folga para ela ir no churrasco com o namorado? Ela me respondeu: Que nada, Deda. Ela pegou Dengue. 

Antes que eu falasse qualquer coisa, inclusive corrigindo-a sobre o fato, afinal ninguém pega Dengue, mas é a Dengue que pega a gente, uma mulher ao meu lado, aparentando ter uns 45 anos, mas poderia ser menos, falou: Essa doença é terrível. Ontem cheguei em casa de boa e de repente me deu um febrão. Aí fui na casa da minha cunhada que mora perto, meu irmão chegou e me levou ao PA. Lá já me colocaram no soro, fizeram exames e meu  diabetes tinha explodido, estava nas alturas. Eu fiquei muito nervosa, muita dor, não conseguia abrir os olhos, achei que ia morrer. Eu não conseguia fazer nada…

A mulher continuou contando, ou melhor, tentando explicar a sua dor. Mas não haviam palavras capazes disso. Não há narrativa capaz de substituir a experiência da dor. Aquela mulher misturava a sua dor física com a sua dor emocional, que é a de não ter controle algum sobre o que acontecia em seu organismo. A dor da impotência. E de repente eu voltei a ouvir o que ela dizia ao sentenciar: Achei que eu ia morrer. 

No fundo é esse o medo humano. Medo de perder a vida. A mocinha disse: Já são 14 mortes por dengue aqui na cidade. Eu pensei, mas não falei: É muito baixa a taxa de letalidade da dengue, 0,0026 por mil habitantes. A temperatura, com a chegada de frente fria, está caindo e os dados mostram que a transmissão da dengue está em curva descendente. Os dados alarmantes divulgados no momento se referem a abril, ou seja, o pior passou. 

Por que eu sei disso tudo? Eu leio para me iludir que tenho algum controle. A Dengue é transmitida por um mosquito. Mosquito que agora voa 350 metros, vive 45 dias e cada fêmea bota quase 500 ovos antes de morrer. Me resta viver lambuzado de repelente e imerso num ambiente pulverizado de inseticida. Só assim pra se iludir que se está no controle. E não pensar na morte.

Eu estar no controle? Exclamação! Pergunta!

Fica evidente que sou controlado por esse ambiente cultural cada vez mais inóspito. Iludido de estar no controle.

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