Sem infância 

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Gabriela é filha de pai baiano, mas isso é insuficiente para transforma-lá numa cravo e canela, como a de Jorge Amado.

Ela é balconista no bar do Mercado Municipal onde como pastel tomando café numa xicrinha kitsch. Tiraram o copo americano com a intenção de agradar ao freguês. A mim não agradou. Há um mês as unhas de Gabriela estão perdendo o esmalte cor-de-rosa de tanto que ela lava louça.

Neste sábado de manhã, quando ela tomava um copo de água, que pegou da torneira, lhe perguntei se era ressaca da noite de sexta-feira. Ela disse não. Eu perguntei o que foi. Ela tirou os olhos de mim e dirigiu-os a água que saia da torneira. O que foi? É choro, ela me disse.

O choro de mulher sempre me apavorou. É algo com que, definitivamente, eu não sei lidar. Perguntei o óbvio: Namorado? Não, ela me disse, estendendo o som do não demonstrando sua irritação. O que é então? Família. Você mora com quem? Minha mãe e minha vó. Elas estão brigando com você? Elas não cuidam de mim. Elas querem que eu cuide delas e das minhas irmãs. Eu só tenho 17 anos. Eu tenho que ser cuidada e não cuidar de ninguém. E suas lágrimas saiam como enxurrada…

Você precisa, mesmo, ser cuidada, eu disse. Mas sob o olhar do patrão ela foi atender outro freguês, engolindo o choro. 

Gabriela tem todas as características físicas de uma índia tupi-guarani. Cabelos bem pretos e lisos, pele marrom clara, olhos puxados como se fosse oriental e uma magreza de gente desnutrida. É uma menina triste. Há um sorriso em seus lábios tentando disfarçar a sua alma.

Gabriela está no segundo ano do Ensino Médio no período noturno de uma escola estadual da periferia e daqui um ano, maior de idade, estará diplomada. Ela nunca leu um livro, nem os indicados pela escola. Todo seu salário vai para a mãe. Ela vê que suas colegas têm celular e ela deseja, um dia, também ter o dela.

Acabei comendo dois pastéis e tomando dois cafés na esperança de minha conversa continuar, mas Gabriela ficou fixa no outro lado do balcão. Certamente orientada pelo patrão. Fui embora devastado pela realidade de um mundo em tamanha desordem, onde uma mãe e avô necessitam do dinheiro e cuidado de uma jovem que quer ser jovem, mas não consegue. Transformaram Gabriela numa mulher, adulta, sem lhe darem a chance de exercer a infância, o que é seu de direito. País idiota!

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