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Minha barba sempre cresceu rápido e isso nunca havia sido problema porque ela faz parte do meu rosto desde minha adolescência. Quando ficou branca, aí virou incômodo, os fios ficaram duros como um espinho e eriçados. Então eu passo a máquina e pronto.

Não é tão simples. É preciso disciplina, tempo e paciência. Os pêlos caem na pia e chão. Molhados, grudam. Não é fácil deixar tudo limpo. Quando me desorganizo, vou ao barbeiro. Penso que a maior parte do valor de um corte é a limpeza. É preciso varrer muito o chão para deixa-lo asseado.

No feriado de Tiradentes, minha barba estava me cutucando tanto… O Rogério, de folga. O Manoel, na Vila Santana, de tantos anos, ficou fora de mão. O Carriel, com a plaquinha Volto Já, mas que pode levar a tarde inteira pra ele aparecer…

Parei num jovem, Lucas Barber. E contei que estava ali por acaso. Falei que tinha ido ao Carriel e tava lá a plaquinha…

Então ele engatou a fazer perguntas. Se faz tempo que não vou ao Carriel, com quem eu corto, se eu tinha ido antes do final de ano… Eu expliquei que gostava do Carriel mesmo e não dos ajudantes dele. Então, o baque: O Bruno morreu. 

Bruno Carriel, os óculos fundo de garrafa, era o motoqueiro que voou longe quando um carro invadiu a pista contrária na avenida Ulysses Guimarães, no final de outubro do ano passado. Ele e sua moto. A máquina, como ele dizia, que tanto orgulho lhe dava, que seria moeda de troca para um carro. Ele que fazia tudo direitinho e de repente, do nada, um carro interrompeu tudo…

Bruno havia acabado de dar entrada no seu apartamento. Ia se casar. Bruno que tinha espírito empreendedor. Que era curioso. Que queria me pôr de sócio para que eu levasse meus amigos até seu salão. Que queria sair da periferia. Que queria ter seu salão perto do Campolim. Bruno que sonhava em crescer…

Eu não posso dizer que ele era meu amigo porque eu não o conhecia, era só seu freguês. Eu conhecia o comerciante Carriel que chamava de irmão qualquer um que entrasse em seu salão desde a primeira vez. Ele sabia agradar. Deixava qualquer um à vontade no seu espaço. Tinha assunto, sempre. Quando saí do transe e voltei a me concentrar, pensando que aquela quantidade de pêlos espalhados sobre o avental, em meu colo, cinza mais branco do que preto, estavam em minha cara… lamentei a morte do Carriel. Do que ele deixou de viver. Lamentei a fragilidade da existência. Da luta de ter saído vivo da pandemia e desaparecido numa fração de segundo quando sua cabeça se esmigalhou com o baque da batida…

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