O Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro de cada ano em memória de Zumbi dos Palmares (1655-1695), foi celebrado na Câmara Municipal de Sorocaba em sessão solene realizada no plenário da Casa na noite de quinta-feira, 22, por iniciativa do vereador Engenheiro Martinez (PSDB). Durante a solenidade, também foi entregue o Prêmio Nelson Mandela aos professores Ademir Barros dos Santos e Ana Maria Souza Mendes, por iniciativa do vereador João Donizeti Silvestre (PSDB), e, por iniciativa da vereadora Iara Bernardi (PT), foi homenageado José Pedro de Oliveira Filho, que tem 95 anos.
De toda a solenidade, merece uma reflexão o discurso do professor Ademir de Barros. Ele externou o medo sobre o governo Bolsonaro, que começa em janeiro, onde o projeto Escola Sem Partido será provocado a ser predominante e, junto com ele, haja a negação da história do negro.
Graduado em Administração e Ciências Contábeis e mestre em Educação pela UFSCar, coordenador da Câmara de Preservação Cultural do Núcleo de Cultura Afro-Brasileira (Nucab) da Uniso (Universidade de Sorocaba), Ademir Barros dos Santos é paulistano, nasceu em 12 de maio de 1948, no Bairro do Bexiga, habitado por italianos e negros, que viviam em cortiços, nos quais também morou. Casado e pai de três filhos, ele passou vivenciar o ativismo negro em Sorocaba, tendo sido o primeiro presidente do Conselho Municipal do Negro, em 2006. É autor do livro África: Nossa História, Nossa Gente (2013), entre outros livros e artigos nas áreas de história, antropologia e sociologia.
Ao agradecer a homenagem recebida, Ademir de Barros saudou os sacerdotes negros e invocou seus ancestrais, inclusive seu próprio pai, uma de suas referências. “Não posso negar a emoção que sinto ao ser agraciado por este Poder Legislativo, que me concede a prova de reconhecimento de meus esforços no sentido de apontar as falhas que o discurso oficial omite quanto a tudo aquilo com que o povo negro colaborou na formação de nossa identidade social. Mas também tenho, hoje, muito medo. Medo de que o discurso que brevemente será oficial aponte para o final dos tempos”, afirmou.
No entender de Ademir de Barros, esse discurso quer negar a “dívida histórica com o povo negro, comprovada por documentos históricos”. O professor também discorreu sobre várias questões que envolvem o passado, o presente e o futuro do povo negro, como a escravidão promovida pelos portugueses na África, a religiosidade do negro e a emergente historiografia negra, que, em sua avaliação, está ameaçada por iniciativas como o movimento Escola Sem Partido. “Tenho medo que, novamente, se interrompa a transmissão intergeracional de nossa cultura, assim como durante treze imperdoáveis séculos fez o processo escravista com o povo africano”, afirmou Ademir de Barros.
Mesa solene
A mesa de honra da solenidade foi composta pelas seguintes autoridades: vereadora Iara Bernardi (PT); vereadora Fernanda Garcia (PSOL); vereador João Donizeti Silvestre (PSDB); presidente do Conselho Municipal da Comunidade Negra, José Marcos de Oliveira; professora adjunta da UFSCar, Rosana Batista Monteiro; secretário de Cultura, Weriton Kermes; Gilmar Felipe Piccin, representando o secretário de Educação, André Gomes; e Marilda Correia, conselheira municipal de Educação. Diversos representantes de entidades negras também estiveram presentes no evento.
Marco de liberdade
Em seu discurso, o vereador José Francisco Martinez afirmou que “a cultura negra, desde o continente africano, é uma fonte inesgotável de criatividade, que embala a alma com seus cantos e encantos”, e ressaltou que o Dia da Consciência Negra “é um marco na história da liberdade no Brasil”, uma vez que “o fim da escravidão não foi uma dádiva, mas uma conquista, cuja história precisa ser resgatada”.
Martinez destacou que a história do negro já está sendo resgatada por muitos intelectuais, no Brasil e também em Sorocaba, que “são dignos herdeiros de Lima Barreto, José do Patrocínio, André Rebouças, Cruz e Souza e vários outros intelectuais negros, que muito honram a história do Brasil”. E citou como exemplos a professora Ana Maria Souza Mendes e o professor Ademir Barros dos Santos, homenageados pelo vereador João Donizeti Silvestre com o Prêmio Nelson Mandela de Ensino da História da África e das Relações Étnico-Raciais
Dívida histórica
Iara Bernardi ressaltou a dívida histórica do país com o povo negro, devido à escravidão, e afirmou que é preciso resistir a qualquer forma de retrocesso no combate ao racismo no país. Por sua vez, João Donizeti Silvestre enfatizou que é preciso resgatar a autoestima do povo brasileiro e promover valores históricos “que ficam muitas vezes escondidos na história oficial, sobretudo o resgate histórico da comunidade afrodescendente”. Fernanda Garcia enfatizou a importância da luta pela consciência negra e ressaltou também o papel das mulheres nessa luta. O evento contou com apresentações culturais das Crianças do Quilombinho, o Coral de Mulheres Negras e a cantora Tereza Badini, acompanhada de Nenê Barbosa, Amaral e Vicente.
Iara Bernardi foi a primeira a discursar saudando seu homenageado. “José Pedro de Oliveira Filho, um senhor de cabelos brancos, pele preta, no seu quase centenário. O que admiro no senhor é a sabedoria com que sempre encarou a vida, o trabalho, a política brasileira”, afirmou a vereadora, ressaltando a trajetória de vida do homenageado, que nasceu em Itapetininga, em 28 de março de 1923. Veio para Sorocaba na década de 40, onde constitui família, com 12 filhos, que trabalham na cidade em variadas profissões. José Pedro de Oliveira trabalhou na construção da Estrada de Ferro Sorocaba e, em um vídeo exibido na solenidade, ele falou desse período de sua vida.
“Não sou orador, mas para falar o que nós sabemos, não precisa muito. Vim para Sorocaba, uma cidade abençoada, cidade-mãe da região, que começou pequena, cresceu e abriga um número sem fim de brasileiros, que, quando as coisas apertam, correm para Sorocaba, e aqui acham um jeito de ganhar um pãozinho mais macio. Essa homenagem, eu não mereço, mas agradeço à bondade de todos especialmente da vereadora Iara, que luta muito por nós e considera muito o nosso povo. Espero que a juventude ame o Brasil, ame Sorocaba, e estude. Sem escola fazemos muito pouco, mas com escola podemos fazer muito”, afirmou João Pedro de Oliveira Filho ao agradecer a homenagem.
João Donizeti Silvestre destacou o trabalho dos homenageados com o Prêmio Nelson Mandela, Ana Maria de Souza Mendes e Ademir Barros dos Santos. Graduada em Pedagogia, com várias especializações, Ana Maria Mendes foi professora, coordenadora pedagógica e diretora de escola em Sorocaba e outros municípios, exercendo também vários cargos de gestão na rede de ensino estadual. Também participa de várias entidades culturais da cidade, integrando também a Academia Sorocabana de Letras e o Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Sorocaba.
Prêmio Mandela
Em seguida, o vereador João Donizeti Silvestre entregou o Prêmio Nelson Mandela de Ensino de História e Relações Étnico-Raciais. “O vereador João Donizeti me fez passear por todos os meus mais de 70 anos, quando ele conta minha carreira profissional, os cargos, os cursos, e junto de tudo isso estava a minha gente. E a minha gente também se modificou”, afirmou Ana Maria Mendes, lembrando que, durante todo o seu curso, foi a única negra. “Hoje, depois de muita luta, temos universitários negros. Isso mostra que o esforço de Dandara e Zumbi não foi em vão”, enfatizou. Lembrando o líder sul-africano, celebrado na homenagem que recebeu, a professora afirmou: “Não tenho a verve de Mandela; não tenho a coragem de Mandela; mas tenho a coragem de dizer: ‘Sou negra, sim, e me orgulho da minha gente’. Muito já fizemos e temos muito por fazer. O sorriso negro só vai acontecer se todos trabalharmos juntos”.
Espaço de utopias
O professor Gilmar Piccin, representando a Secretaria Municipal de Educação, enfatizou a importância da escola como “espaço das utopias”, promovendo a igualdade e a inclusão através do diálogo, da tolerância e da democracia. A professora Rosana Batista Monteiro disse que a escola, que muitas vezes é o espaço de reprodução do racismo, também é o lugar de combate a essa reprodução, uma luta que, segundo ela, começou a ser empreendida pelo movimento negro já na década de 20 do século passado. A conselheira Marilda Correia também ressaltou a importância da discussão das relações étnico-racial nas escolas. O secretário Werinton Kermes ressaltou o papel de Martinez na valorização da cultura negra e destacou os artistas negros que irão participar da Virada Cultural em Sorocaba, na programação deste sábado, 24.
Agradecendo a homenagem recebida pelo Conselho da Comunidade Negra, seu presidente, José Marcos de Oliveira, também enfatizou o compromisso da entidade no sentido de promover a discussão das relações étnico-raciais nas escolas e destacou o I Fórum de Educação Étnico-Raciais que será realizado no próximo dia 29 de novembro, no Centro de Referência da Educação, voltado para os profissionais do ensino. “Precisamos fazer o recorte racial em todas as políticas públicas e não só na educação”, enfatizou o presidente do conselho.