Tridimensionalidade

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Tenho lido artigos de pessoas que dizem estar boicotando a Copa do Mundo de futebol, em curso no Catar. Tenho visto muitos amigos de redes sociais demonizando essa copa em particular. Eu não… Estava louco para ver o jogo da Argentina e vi. Vi a Polônia, time que eu torço por causa de Latto, da Copa de 1974. Vi a Tunísia, país que um dia, quem sabe, eu possa visitar. E explico os meus motivos, apontando a hipocrisia dos argumentos dos que estão em negação e pontuando o que é esse jogo de bola. Começo, por aqui:

Há um lado político na Copa do Mundo, de qualquer uma delas.

1 – Mortes: Trabalhadores que perdem a vida na construção de estádios (o que se sabe é que nesta, do Catar, pelo menos seis mil trabalhadores morreram; na do Brasil, foram seis; na Alemanha, um).

2 – Dinheiro: A corrupção financeira, deixando pessoas ricas ainda mais ricas por seus votos para a escolha dos países-sede; outras no momento da comercialização da exibição dos jogos; na definição dos patrocinadores, dos fornecedores…

3 – Poder: Quem chega perto do comando de uma seleção, qualquer uma delas, abre e fecha mais portas e janelas (faz e desfaz negócios) do que um chefe de estado.

O que mantém em pé esse lado político é a paixão, o outro lado da Copa do Mundo, qualquer uma delas.

1 – Bola: É uma linguagem universal, sua simples existência traduz em ação o mesmo sentimento que pulsa num árabe, escandinavo, australiano, latino, africano, europeu… Num jogador de seleção ou num moleque descalço que chuta bola numa rua inclina, de pedra.

2 – Pátria: Não importa sua ideologia, nem a ideologia de quem está no comando, o confronto das seleções desperta um senso de unidade capaz de dar a cada um de nós, por vias diretas ou às avessas, o sentimento de identidade. Aqui, no dividido Brasil, ou na Coréia, já dividida na prática há dezenas de anos. Na Alemanha que se reunificou, mas que já foi duas em copas. Na Rússia que um dia foi a união das repúblicas socialistas soviéticas.

3 – Alento: De quatro em quatro anos, depois de jogos entre mais de duzentas seleções para se chegar no modelo da disputa de hoje, com 32 seleções… Na disputa de cada campeonato nacional, onde jogadores lutam para serem os melhores e estarem convocados… Na farra, sarro e brincadeira de quem torce, de quem não liga para o processo, mas se liga na hora dos jogos…

O que mantém em pé esse lado político e esse lado paixão, é o negócio, um terceiro lado da Copa do Mundo, qualquer uma delas.

1 – Ativo: Como qualquer empresa, o futebol vive dos lucros de seus ativos. Por exemplo, uma fábrica que fabrica um carro terá seu lucro quando esse carro deixar de ser dela. Se ficar com ela, ela nada ganha, mas se chegar ao consumidor que vai passear com o tal carro, a fábrica e todos os envolvidos até o carro estar rodando numa rua ganham. Assim é com um garoto. Se ele for bom na rua da sua casa, ninguém ganhará nada. Mas se da rua ele for para o time A, depois B, C… todos os envolvidos com esse ativo (garoto-bom-de-bola) ganham.

2 – Competitividade: Se sempre o mesmo time ganha, a brincadeira dos amigos amolece, fica chata, ao invés de unir afasta… Por isso, é preciso manter ativa a rivalidade que só é possível pela competitividade. Assim, é bom que o Palmeiras, por exemplo, ganhe duas Libertadores num mesmo ano, mas que depois sofra sem nada. A fila de 23 anos do Corinthians sem título transformou o time numa religião. Então, teve a sua fase. Está ruim faz tempo, mas é do negócio. Já já esse quebra-cabeça será revirado. Isso vale para qualquer time.

3 – Produto: Se o torcedor sofre quando seu time não ganha e, mais ainda, quando o seu amigo tira sarro dele, quem está no comando não tem olhos para essa “baboseira”. Tem que ser frio e tratar o futebol como ele é, um produto. Ser rebaixado da série A para a B é péssimo para o torcedor, mas para o produto, nem sempre. Cair, dar a volta por cima… Ficar pequeno e se superar, ficando grande de novo… Coisas assim, tornam o produto valiosíssimo…

Vendo por essa tridimensionalidade, a Copa no Catar (país que não respeita os direitos humanos) não é diferente em nada, por exemplo, da Copa no Brasil (país que igualmente não prática os direitos humanos, apenas diz que sim). Ou há diferença entre quem deliberadamente (por sua cultura, formação e sedimentação) é contra a homossexualidade, por exemplo, como o Catar, e o Brasil que deliberadamente respeita a opção sexual na teoria, mas na prática..? E quanto ao racismo, então? No Catar, um ladrão (de qualquer cor ou colarinho) é punido com a sua mão sendo decepada (óooohhh, que horror!), no Brasil a polícia mata um preto, dois, três… quarenta, cem e tudo bem, pois nós dizemos que respeitamos os direitos humanos. A questão é dizer, só. Não respeitar. O Catar não respeita as mulheres. Verdade, nós é quem as respeitamos… desde que elas ganhem menos no trabalho fora de casa e ainda façam o que for preciso dentro dela. Tem uma coisa, apenas que eu não disse. Tou louco para ver o Brasil na quinta-feira…perder para a Sérvia….kkkkk  Não consigo me identificar com a Seleção do Tite. Não é, infelizmente, a Seleção Brasileira. Mas dele. Uma pena.

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