Este da fotografia é David Lima.
Na última segunda-feira ele pedalou 120 quilômetros pelas ruas de Sorocaba para entregar lanches em sua Bike Uber Eats e faturar por todas essas 120 mil pedaladas (levando em conta que cada pedalada signifique um metro) exatos 80 reais.
Para efeito de comparação, da ponta da rodovia Castelinho, aqui em Sorocaba, até o começo da Marginal Tietê, em São Paulo, são 92 quilômetros.
David tem 26 anos.
Ele liga o aplicativo Uber Eats em seu celular às 10h30 e trabalha com ele ligado até 23h. São mais de 12 horas seguidas.
David mudou-se de Presidente Prudente para Sorocaba quando tinha 12 anos. Ele entrou como aprendiz na General Motors de lá em foi transferido para cá, onde veio sozinho, para morar no alojamento da empresa… sim, aos 12 anos. Seu pai, me contou ele, assinou uma carta autorizando que ele viesse. Na época, uma tia mudou-se para cá e ele preferiu ir morar com ela. David ficou na GM até os 22 anos, foi promovido de Sorocaba para a fábrica em São Bernardo do Campo e, quando demitido, veio trabalhar na Alber Flex em Sorocaba onde ficou por 4 anos, até abril passado, quando foi demitido por causa da pandemia de CoronaVírus.
No final de abril, quando os boletos começaram a chegar, sem renda, David decidiu encarar o trabalho de Uber Eats.
Graças a Deus não! Essa foi a resposta que ele me deu quando eu perguntei se ele era casado e tinha filhos. David mora sozinho na rua Professor Toledo, no centro de Sorocaba. Em duas semanas emagreceu bem, embora não saiba o quanto porque não se pesa. Ele chega em casa e “desmaia” de cansaço, acorda, liga o aplicativo e já começa a sua jornada de 12 horas.
Meu carro. Essa foi a resposta que David me deu quando perguntei que boleto ele tinha tanto medo de não pagar. Ele realizou o seu sonho.
Conheci David completamente por acaso no Parque dos Espanhóis, na Zona Leste de Sorocaba. Ele me parou para perguntar onde ficava uma rua, onde ele precisava fazer uma entrega.
Sua máscara, de proteção ao Covid 19, não faz mais efeito, pois está sempre úmida (talvez a foto não mostre, mas há uma marca escura na região da boca e nariz).
Talvez, penso comigo, David seja o verdadeiro herói brasileiro, o que luta de cabeça erguida, honestamente, para trabalhar, onde ainda é possível, e pagar suas contas em dia, sem atraso.
Uma pessoa querida, a quem eu contei essa história, fez severas críticas ao Uber, dizendo que explora David. Eu, no momento da conversa, disse que achava ainda mais culpado quem pedia comida pelo aplicativo, pois são os verdadeiros exploradores do David.Talvez, pensem muitos, tanto o Uber quanto o consumidor estejam lhe dando uma oportunidade de trabalho.
Fico pensando na minha responsabilidade como jornalista nesse esforço todo de David. Talvez não na minha individualidade profissional, mas na coletividade da comunicação o que implica noticiário e entretenimento: por que David se esforça tanto para se incluir socialmente? Traduzindo: Por que apenas com um carnê, para ser religiosamente pago todo mês, ele se sente cidadão? Por que apenas com “seu” carro David sente-se capaz de realizar seu sonho, seja ele qual for?