Conversando com o meu pai – ele morreu em 1º de julho de 2000, mas como me disse um padre certa vez, ele seguirá vivo enquanto ele for lembrado – logo que terminou o emocionante jogo final da Taça Libertadores, sábado passado, me lembrei de algo que ele sempre me dizia: cuidado com o que você quer, pois você pode conseguir.
Na verdade, faz tanto tempo já que meu pai morreu que nem sei mais se ele me dizia isso mesmo ou se eu inventei que ele me dizia. A memória funciona assim… Eu adoro rotina, ela nos dá a ilusão de que temos o controle de algo. Quando ele era vivo, todo domingo, no mesmo horário, eu estava na casa dele. E íamos juntos ao campo do Estrada, na rua debaixo da casa dele, ver quem estivesse jogando (tirei a foto que ilustra essa coluna do meu pai e da minha filha mais velha, que daqui uns dias fará 30 anos, na arquibancada do Estrada).
Ainda hoje tenho minhas rotinas. Minha rotina de sábado, o dia da final da Libertadores, por exemplo, é assim: acordo, vou à ACM, saio da piscina, encontro o Pedro na Real, me acostumei a esperar a Cris chegar para nos garantir boas lembranças e gargalhadas, volto para casa, saímos comer feijoada no Cathedral ou Provoleta à provençal e alguma carne no Argentino ou no Izumi ou Bacalhau no PorQuilo… Depois um doce na Sônia (O Doce Veneno, se não conhece, não sabe o que está perdendo) e sofá… Vinho, TV, filme, preguiça… cama e aí é domingo… nova rotina. Segunda, terça… Rotina.
Em tese, como brasileiro, eu deveria estar torcendo para o Flamengo, time do Brasil que jogava contra o River Plate, time da Argentina. Em tese, apenas. Nunca gostei do Flamengo e tinha tudo para gostar: Ary Barroso era fanático pelo time. Na única vez que o São Bento jogou no icônico Maracanã, foi contra o Flamengo. Zico, que jogador bom de bola, cobrador de falta exemplar, era do Flamengo. Mesmo assim, não gosto do Flamengo. Acho que a combinação de suas cores (vermelho e preto) são agressivas… Além disso, adoro a literatura argentina. Adoro Buenos Aires. Então, quando o HorRiver (me perdoem o péssimo trocadilho) fez 1 a 0, tive um tico de alegria.
Com o jogo nos pés do HorRiver (time ruim, me perdoem), Jorge Jesus decidiu colocar em campo Diego – aquele que era muito melhor do que o Robinho, mas que não levou fama – e pensei, agora vai empatar, ele vai tirar o sonolento Arrascaeta. Não, tirou Gérson. E eu não o poupei: português burro! Depois ele colocou Vitinho no lugar de Arão. Aí falei, já era, não vai ter ninguém marcando. Sem ninguém para roubar a bola, o Flamengo não terá como atacar. E as câmeras focando o Jorge Jesus agitado e mandando o time para a frente. O ar rarefeito de Lima, no Peru, onde não chove há mais de 200 anos, onde ocorria a partida – quando eu estive lá senti o quanto é um clima diferente, imagine para o esporte – parecia deixar inerte o pensamento dos jogadores. Inclusive o de Jorge Jesus, pensava eu.
E sem ninguém para roubar a bola, coube a Lucas Pratto dar a “bola de presente” para o Flamengo que num contra-ataque empatou a partir dos pés de Arrascaeta (aquele que eu teria tirado de campo) que deu o passe ao poste GabiGol empurrar para dentro. Três minutos depois, o inacreditável: zagueiro do HorRiver deu um passe de cabeça para o poste, novamente, chutar e virar o placar.
Um jogo histórico!
Leitor, se você está se perguntando o que tudo isso diz respeito ao meu pai, eu explico: Cuidado com o que você quer.
Jorge Jesus queria vencer. Não, quer! Parece óbvio, mas o segredo do Flamengo é esse. O seu time joga para ganhar os jogos e os outros, todos da “Escola Gaúcha” de Felipão 7 x 1, Carille 0 x 0, Titempate, ManoTrancado… querem não perder. Querer Vencer é muito, mas muito diferente de Querer Não Perder.
Fica aqui um convite leitor: Transfira das quatro linhas do campo de futebol para a sua vida esse raciocínio. Quantas decisões você tem tomado Querendo Não Perder ao invés de Querer Vencer?
Imponha um foco para você dentro de um tempo específico (o Flamengo se qualificou para estar na Libertadores e estando nessa competição, focou em vence-la). Trace estratégias para alcançar seus objetivos, o que significa planificar caminhos, meios de transportes, aliados, suprimentos, suporte e etc. E não titubeie, mesmo diante das piores intempéries, em sucumbir à tentação de desistir. Lute até o final. O Flamengo estava fracassando faltando 1 minuto para acabar o prazo e venceu. Lembre-se disso, sempre. Mesmo que você não goste do time.
Ah… Uma coisinha só: Um time é treinado, a vida não tem treino. Mais uma coisinha: a gente pode racionalizar tudo, inclusive uma rotina para se autoiludir. Pode traçar metas, estratégia, foco e o Manual de Auto-Ajuda completo, mas há o emocional, o inconsciente que são incontroláveis, assim como há acidentes que são acidentais e o que é imprevisível, apesar de todo planejamento prevendo cada passo no seu tempo…
Pensando bem, um jogo de futebol é só um jogo de futebol, mesmo.
Só Que Não! (Nunca achei que fosse surgir a oportunidade de usar essa expressão da moda na internet, mas, tá aí).
O jogo de futebol pode, como aconteceu comigo sábado, te conectar consigo e estimular uma conversa com o seu pai, mesmo que ele tenha sido enterrado há dezenove anos.