Estava comendo pastel de palmito na banca do Mercado Municipal na manhã de sábado quando fui abordado por uma senhora: Você é o dono do portal…? Eu disse que não. Ela ficou desenxabida e sua voz perdeu completamente a vitalidade: Achei que era…
Quando ela estava de costas, voltou-se a se virar para mim e perguntou: Por quê fulano ainda não foi preso?
Eu ainda me surpreendo quando me fazem esse tipo de pergunta, afinal estou longe do programa de rádio, onde eu respondia sobre tudo, já faz uns cinco ou mais anos.
Enfim, respirei fundo, e lhe
expliquei que exceção ao flagrante, quando o criminoso é flagrado no ato do seu crime, não há prisão imediata. Há denúncia, investigação, acusação, reunião de provas e por fim a decisão judicial de acatar ou recusar todo o trabalho das polícias e ministério público. Ainda após o julgamento há prazo para recursos e embargos até que esgotado o que prevê a lei o condenado vai para a cadeia. No caso do Bolsonaro, isso pode levar ainda de 60 a 90 dias ou mais.
Que país de merda!
Foi o que ela me disse. Discordei dela. Não que não me importe com as mazelas por aí espalhadas ou mesmo que não ache um monte de coisas ruins, mas no que ela se referia, a justiça, acho, pelo pouco que conheço dos processos acusatórios e de defesa de outros países, o do Brasil um dos mais justos. Difícil alguém ser condenado “por engano”. Há sempre razoáveis elementos comprobatórios do crime em questão. E muitas possibilidades de defesa.
A mulher então voltou ao seu tema inicial e quis saber quem é o dono do portal e lhe expliquei quem o bancava financeiramente. Ela fez uma cara de surpresa.
Então ela me falou que tinha um irmão que aos 18 anos deixou Sorocaba para estudar na Unicamp. E depois de formado decidiu-se por morar em Campinas. E que já faz cinco anos que ele não vez para cá. Nem para me visitar, frisou a mulher. E antes que eu perguntasse o motivo ela mesmo me disse: Ele tem vergonha. Ele não conta pra ninguém que é sorocabano. Ele não aceita que 75% dos eleitores da cidade sejam de extrema-direita. Ele não aceita que tanta gente de Sorocaba tenha orgulho de fazer pix ao que ela chamou de familícia. Ele fica doído de ver seus colegas da época de escola aceitando passivamente o que o bispo, pastor e missionário mandam eles fazerem.
Ele tem vergonha, então, do Interior Paulista. De meio Brasil. Pensei eu. A extrema-direita de Bolsonaro deu sentido à vida dos que o seguem cegamente. O que me leva a questão: Por que tanta gente se sente excluída num regime democrático? Pois é esse o fato.
Meu irmão nunca se sentiu bem aqui, completou ela. Nunca foi seu lugar essa cidade. Não que seja o meu, mas não me importo com o que as pessoas fazem ou em quem elas votam porque todo mundo sempre vota em quem é parecido com elas ou elas acham que conhecem um pouco, se reconhecem… Filosofou a mulher.
Entre a última mordida em meu pastel e um gole de meu café preto tive o ímpeto de desejar que o irmão daquela senhora tenha forças pra vir visitá-la. Não há de ser “contaminado”, brinquei. Ela riu. Entendeu minha piada. Nos despedimos, nós, dois estranhos, com um fraternal abraço.
Abraço desfeito, ela me falou, desta vez num tom ou entoação que não consegui identificar: Obrigado por ter me dado atenção. Eu sorri, apenas. Quando ela já tinha dado dois passos eu falei: Além de saobentista, também sou palmeirense (ela entendeu minha fala, pois no carrinho de compras que ela puxava havia o símbolo do time do Palmeiras) e ela falou, rindo: Como dizem os curintianos, tamos juntos. No que eu disse: Tamo.
A vendedora de pastel, quando a senhora já estava longe, me perguntou: Você conhece essa senhora? Eu disse não. Ela falou: Estranho né, ela falar assim com você. Eu respondi: As vezes isso acontece comigo.


