Quando em tinha 7 anos, em 1974, o reserva do César Maluco, Ronaldo, fez 1 x 0 e ampliou para 20 anos a fila do Corinthians por um título. Eu ouvia berros: Viva Donato!
Donato morava no fim da rua Moreira Cabral, esquina com a Baltazar Fernandes, e era palmeirense roxo. Ele se vestia de verde por inteiro: seu Conga era pintado de verde, seu shorts, camiseta, boné e bandeira eram todos verdes. Donato tinha uns 40 anos, mas era lerdo. Tinha deficiência mental. Era calmo desde que não mexessem com ele. Qualquer som mais alto já o deixava agitado. As sucessivas vitórias do Palmeiras eram uma bênção para a mãe do Donato. Ele ria de alegria. De repente, o Donato sumiu.
Em 1977, naquele jogo em que o apito amigo ficou evidente pela primeira vez, o Corinthians saiu da fila de 23 anos sem título. Um sofrido gol de Basílio no pé frio Carlos, da Ponte Preta.
Eu já era adolescente e apareceu na rua Souza Moraes, travessa da Moreira Cabral, o Marcelinho, fanático torcedor do Corinthians. Ele tinha deficiência visual e, como o Donato, algum atraso.
Marco Chita, uma espécie de líder daquelas bandas da Vila Santana, organiza viagens de ônibus para os jogos do Corinthians em São Paulo. Era uma festa. Mas eu nunca fui. Além de menor, eu nunca torci para esse time. Gostava de Sócrates e Casagrande e da Democracia Corintiana, mas meus times sempre foram o São Bento e Palmeiras.
Aos 17 anos deixei Sorocaba para fazer faculdade em Campinas e minhas prioridades começaram a mudar. Mudaram tanto que em 1986, quando a Inter de Limeira foi campeã Paulista em cima do Palmeiras, eu nem liguei. Mas ir ao campo, ver jogo, seguiu sendo uma paixão e eu ia com frequência ao Brinco de Ouro e ao Moisés Lucarelli. Tive um episódio hilário com o Neto, hoje comentarista da Band quando ele jogava no Guarani, mas isso eu conto numa próxima vez.
Depois fui morar na Holanda e apenas em 1990, quando estava trabalhando no jornal Cruzeiro do Sul, meu interesse pelo futebol se reavivou. Era a década do São Paulo, o time do meu nono, que se desvirtuou da colônia italiana.
Os jogos do São Bento, que tanta dor me causaram na infância, onde inclusive eu fui gandula, se tornaram uma distração prazerosa. E ainda hoje são.
O fogo verde, porém, nunca se apagou.
Hoje, quando começa a decisão do Campeonato Paulista, tudo isso me vêm à memória. Logo cedo, ainda na cama, virei para minha mulher e disse: hoje é um dia especial. E ela, por quê, é aniversário de alguém? E falei que tinha Palmeiras e Corinthians. E ela lamentou. Ai meu deus, tomara que o Palmeiras ganhe e começou sua ladainha que se resumiu: não quero ninguém de mau-humor se o Palmeiras perder! E eu, entrando na provocação dela, disse: então trate de esquentar o pé o dia inteiro para ele estar bem quentinho à noite. E ela retrucou: mas eu não sou pé frio! Ela não é mesmo, mas eu sempre a culpo pelas derrotas do Palmeiras. Me sinto um pouco Donato em dias como o de hoje.
Me lembrei de “Boleiros”, um dos filmes brasileiros que mais gosto. Nele Ugo Georgetti captou um sentimento muito real entre os apaixonados pelo Palmeiras. Há uma cena retratando o saudoso técnico Oswaldo Brandão na concentração do time quando ele se desculpa com uma Maria Chuteira: “Minha senhora, a senhora não sabe o que é um Palmeiras e Corinthians”. Essa frase é a síntese perfeita do maior clássico do futebol. Uns dizem que é do paulista, mas eu ainda acho que é do futebol por inteiro.
Na noite de sábado, quando o jogo acabar, e o campeão for conhecido, estará selado o futuro do perdedor. Muito mais do que o do ganhador!