Quando eu tinha apenas 14 anos de idade, em 1981, conheci um barzinho que me encantou, era precoce demais, olhando hoje, ir a barzinho com tão pouca idade. Mas naquele momento fazia todo sentido.
O bar se chamava “Sal da Terra”, ficava num lindo casarão na praça Carlos de Campos, ao lado do famoso pé sujo daqueles anos, ” O Lagartão”.
O barzinho era frequentado por pessoas que tinham apreço pelo meio ambiente, já não comiam carne (se dizia vegetariano à época, não vegano como hoje) e se vestiam com roupas que não eram de marca. Eu mesmo usava bata de algodão cru e calça feita com saco de farinha de trigo que minha mãe me confeccionava.
Ali conheci vários cantores da noite, como se diz. Pessoas que, no geral, cantam a música com a qual se identificam. Foi no “Sal da Terra” que conheci a música mineira do chamado “Clube da Esquina”.
Um hino da minha adolescência era “Sol de Primavera”, a música tema da Solidariedade. Era o tempo do fim da ditadura militar (embora apenas 5 anos depois um civil iria ser eleito), o movimento Solidarność da Polônia encantava a juventude e usávamos pintadas em camisetas , era a luz que iluminava um futuro que valia a pena ser vivido.
Beto Guedes era a voz daquele momento e sua música, seu ritmo e balada, guiava adolescentes como eu.
“Quando entrar setembro. E a boa nova andar no campos. Quero ver brotar o perdão. Onde a gente plantou. Juntos outra vez…”
E o que descubro somente agora, mais de quarenta anos depois, é que esse hino quase não existiu.
Minha amiga Bah Reis me enviou o link disponível no YouTube ( https://www.youtube.com/watch?v=Ll3x2DlDdYw) onde Júlia Guedes (foto), neta de Beto, após tocar no piano e cantar “Sol de primavera” conta que o vovô Beto chegou cedo no Bar Brasil em Belo Horizonte um dia, como sempre fazia, e criou a música (não a letra) dedilhando seu violão.
Ele estava acompanhado da mulher, Silvana, que também era musicista. Ela quando ouviu, na hora sacou que era algo bom e transcreveu a música num pedaço de guardanapo de papel. A noite rolou e vovô Beto, conta sua neta, chapou.
No dia seguinte, de ressaca, ele não se lembrava nada da sua música. E comentou com Silvana que achava que na noite anterior havia feito uma música, mas não se lembrava de nada. Então vovó Silvana lhe entregou o pedaço de papel. É essa, Beto!
Não fosse a vovó Silvana e nunca haveria a perpetuação desse hino. Como tantas e tantas outras criações que só existiram num momento e se perderam por falta de registro.
Adorei conhecer essa história. Imagino que muitas outras pessoas não sabiam dessa sua peculiaridade.