Em abril de 1989, quando cheguei em Deen Haag, eu ainda tinha 21 anos.
Era uma vida nova em todos os sentidos, de estar numa cultura antagônica à brasileira, onde não existe improviso, jeitinho ou “mentira do bem” e tudo ser dito na cara da pessoa; de não ser mais sozinho e qualquer ato, pensamento e desejo ter que ser dividido; do Sol, esse tão banal que aparece imponente por mais de 310 dias no ano, ser tão raro que parecia ser possível pegar as nuvens só de estender a mão.
Foi brusca a mudança em relação ao que vivi na Vila Santana, depois em Campinas. A novidade, que tanto nos desperta, foi ficando acostumada à vista dos olhos e quando me dei conta havia um vazio muito estranho por nunca ter sido vivido.
O passeio virou exílio. Voluntário. Mas ainda assim exílio e absolutamente individual.
Nos meses na Holanda eu vi uma velhinha morrer sozinha em seu apartamento e só ser descoberta dois meses depois, quando o mau-cheiro incomodou a vizinha. Vi um homem cair da bicicleta, um tombo feio, a ponto de ficar desacordado e ninguém se mexer para ajudá-lo no chão. Vi uma mãe perguntando a uma filha de 5 ano qual era a programação dela para o domingo e… a menina respondendo. Vi muito mais coisas, que um dia eu conto…
Quando tudo começa a ficar desesperador, andando no corredor de um supermercado, percebi que estava relaxado. Uma sensação de acolhimento, acalento, alegria havia tomado conta de mim. Então percebi o que era: a música.
“Girl from Ipanema” me embalava por aqueles corredores asseados, tão limpos, que era possível se deitar neles.
“Garota de Ipanema” sendo cantada em inglês e eu a cantarolando em português.
Era Astrud Gilberto… A voz que popularizou a Bossa Nova mundo afora. Astrud que morreu na noite de ontem, segunda-feira, aos 83 anos de idade. A voz que encantou. A voz que encheu de alegria quem estava com tremenda saudade de casa. Astrud, com sua interpretação no som ambiente daquele supermercado holandês, mudou a chave de minha vida e graças a ela, também a ela, cheguei até aqui.
Obrigado Astrud! Você foi no mundo a voz de um Brasil que não existe mais.